Pe. Miguel Ángel García: “O crescimento na fé não pode carecer do encontro”

O novo Conselheiro para a Pastoral Juvenil tem um currículo preenchido pela dimensão pastoral. Tem um mestrado em Acompanhamento Pessoal e Discernimento Vocacional, e um master em Direção de Escolas Católicas. Foi docente, Delegado de Pastoral Juvenil em Madrid e membro da equipa do Dicastério da Pastoral Juvenil em Roma. Acredita que o acompanhamento pessoal e direto, a partilha da fé, do testemunho, da celebração e do compromisso são essenciais na ação pastoral.

Entrevistar o novo Conselheiro Geral da Pastoral Juvenil é um privilégio. O seu currículo é preenchido pela dimensão pastoral. É uma vantagem para o novo ministério?

Creio que assim é. Sempre trabalhei nos diferentes âmbitos da pastoral juvenil e isso leva a adquirir certas competências. Por exemplo, convenci-me de algumas questões: o hábito da reflexão para dar qualidade à proposta educativo-pastoral; a urgência da animação e acompanhamento dos agentes de pastoral; o trabalho em equipa e o compromisso pessoal na missão entre os jovens.

Para os leitores é importante conhecer as suas raízes, trajeto de vida, família, estudos e hobbies.

Tenho conciliado na minha vida salesiana a ação pastoral e a formação das novas gerações de salesianos. Depois dos meus estudos de filosofia em Salamanca e em Roma, pediram-me que me especializasse com os jesuítas no acompanhamento pessoal e discernimento vocacional. Neste campo orientei numerosos workshops e estive no lançamento de algumas iniciativas nacionais. Fui diretor da Casa de Santander e fiz o curso de Perito em Direção de Escolas Católicas. Docente no Instituto Superior de Filosofia de Burgos e em colégios salesianos de Espanha. Publiquei alguns livros sobre a tutoria na escola salesiana, o modelo educativo-pastoral salesiano; desenhei dois cursos online para a Escola Salesiana América. Fui Delegado de Pastoral Juvenil da Província Salesiana em Madrid e fundador de um Centro de Intervenção Social intercongregacional em Espanha: Asociación “Lumbre”. Fui membro do Dicastério da Pastoral Juvenil (2010-2017) e, desde março de 2020, Conselheiro Geral da Pastoral Juvenil.

Numa atividade de animação com jovens da Polónia. Fotografias cedidas por Pe. Miguel Ángel García

Conhecendo-o agora melhor, pergunto: o que leva um jovem, com um futuro brilhante, a atravessar os umbrais da vida religiosa?

Creio que o primeiro motivo é sentir o desejo profundo de Deus e pôr a vida ao serviço dos outros. A Deus não se vê, mas escuta-se. Através do acompanhamento pessoal, da presença afetiva entre os rapazes e da vida comunitária vai-se escutando gradualmente essa tranquila voz interior; e, com a graça de Deus, vai-se confirmando que estes profundos desejos interiores vinham realmente de Deus. Jesus não se cansa de chamar: chamar é para Ele uma forma do verbo amar.

A propósito do que afirmou, recordo o que um físico português disse: “Deus não morreu porque a humanidade precisa dele”. Este conceito serve para motivar a evangelização dos jovens?

Certamente. A humanidade precisa de Deus. A nós compete-nos “educar o olhar dos jovens”, educar os seus olhos para ver não só o que é negativo, mas sobretudo as potencialidades inéditas deste mundo. É essencial acompanhá-los a ver com os olhos de Deus o mundo dos pobres, de forma amável, solidária e crítica sobre a realidade dos mais pobres. Juntar a este olhar a ética do cuidado, a hospitalidade, com as exigências de respeito pelos vulneráveis e as de uma justiça sem descontos. Um olhar que tenha em conta o sofrimento do próximo, mas também indignado (por sentir revolta perante a injustiça evitável).

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O Pe. Juan Carlos Godoy, que entrevistámos anteriormente, reconheceu que “a secularização e a indiferença religiosa avançou muito”. As novas gerações são permeáveis à ideia de que “Deus não morreu porque a humanidade precisa dele”, ou nem isso?

Os relatórios de juventude mostram-nos que os jovens vão fazendo o seu caminho de fé a diferentes velocidades: os que “estão em casa”; os que “estão a sair de casa” e os que “não conhecem a casa”. Antes de tudo, devemos esforçar-nos por chegar a todos: aos do primeiro cenário devemos acompanhá-los no seu crescimento de vida de fé. Aos do terceiro cenário temos de continuar a anunciar-lhes o Evangelho e mostrar-lhes a alegria da nossa fé, bem como que as portas de “casa” estão sempre abertas. Com os do segundo cenário, devemos atuar como em Emaús: ir ao seu encontro, caminhar com eles, escutá-los e mostrar-lhes a Palavra de Deus, até ao lugar onde por si mesmos reconheçam Cristo ao partir o pão.

“A humanidade precisa de Deus. A nós compete-nos ‘educar o olhar dos jovens’”

Os agentes pastorais, preocupados com este fenómeno sociológico, ficaram seduzidos com a ideia de que estar presente no continente digital é já um meio evangelizador. É assim?

Se queremos evangelizar esta nova civilização em que vivemos, devemos apresentar-nos nos âmbitos em que os jovens se formam e informam, e um meio privilegiado é a Internet. Para que a evangelização tenha viabilidade, torna-se essencial conectar “inteligentemente” com eles, identificar as suas necessidades e os seus anseios de felicidade. No entanto, a “sabedoria pastoral” diz-nos que isso não basta. O cenário virtual é só uma opção pedagógica para suscitar um modo renovado de pensar a fé, de a expressar e de a viver. Mas não fiquemos por aí.

Formulando a pergunta de outra maneira: a pastoral precisa ou não de “espaços de experiência de fé”? Aprofundando mais: não será arriscado isso da “virtualização da catequese”?

Certamente, se queremos recuperar “a frescura original do Evangelho”, como diz o Papa, temos de encontrar novos caminhos e métodos criativos. Pois bem, os processos de crescimento na fé não podem carecer de um encontro com as mediações. É indispensável o acompanhamento pessoal e direto, em que as pessoas partilham a fé, o testemunho, a celebração e o compromisso.

Pe. Miguel Ángel García em El Salvador
Pe. Miguel Ángel García num momento da “boa tarde” aos jovens em El Salvador

Avançando um pouco mais: a educação/evangelização pode ser feita online sem assistência presencial?

É muito empobrecedor, embora neste tempo de pandemia seja a melhor resposta. Um agente de pastoral há de entender que acompanhar é um apostolado de proximidade. O Sistema Preventivo confia a sua eficácia educativa principalmente ao encontro direto, presencial. E é um encontro de confiança, de amizade.

Nas condições atuais, como realizar o processo educativo salesiano baseado na relação pessoal?

O cuidado pastoral não é uma “práxis pastoral” mais, mas a prática de acompanhamento mais idónea para estes tempos. A nossa pastoral passa necessariamente por cuidarmos da realidade do outro, o que exige de nós, e muito especialmente agora, capacidade de sintonizar com o oceano de sentimentos dos jovens. O cuidado salesiano não deixa de fora ninguém. Nenhuma tecnologia pode substituí-lo, porque exige um rosto, um olhar, um encontro, um saber acompanhar. E o primeiro passo para isso implica mergulhar, com o coração do Bom Pastor, na realidade das pessoas. Amamos o que cuidamos e cuidamos o que amamos.

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Pe. Miguel Ángel García com a Equipa de Pastoral da Circunscrição Salesiana da Itália Central
Com a Equipa de Pastoral da Circunscrição Salesiana da Itália Central

O Capítulo Geral 28 aborda com clareza esta problemática?

O Capítulo recordou-nos que o nosso futuro passa por uma pastoral juvenil salesiana que cuida a presença efetiva e afetiva entre e com os jovens. Insiste-se em dar centralidade ao anúncio de Jesus Cristo, atentos aos novos desafios que este aspeto nos apresenta em “estilo, conteúdos e modos”. Uma pastoral juvenil que proponha e proporcione experiências aos jovens, “portadores do fogo vivo do carisma salesiano”.

Mudando de assunto: a pandemia atingiu a humanidade. Que respostas pastorais salesianas têm sido dadas a nível mundial?

Todas as respostas têm sido experiências de proximidade, iniciativas práticas de incidência real, envolvendo as Comunidades Educativo-Pastorais: voluntariado; doações; programas de atenção a crianças vulneráveis, dando-lhes acesso a uma alimentação básica, atenção psicológica e a possibilidade de continuar a sua educação; liturgias e catequeses online; relações quotidianas gratuitas… e muitas micro-histórias de ajuda e apoio ao próximo. Estratégias eficazes sim, mas afetivas que permitam uma aproximação consciente e solidária.

A perda de ritmo litúrgico e catequético pode provocar danos irreparáveis na formação dos jovens?

Temos de saber combinar as nossas propostas com a flexibilidade, a adaptação e a paciência que se requer neste novo contexto que estamos a atravessar. Temos de criar processos abertos com diversas “entradas e saídas”, com experiências-ponte e com capacidade de acolher a realidade que vive em cada jovem. A evangelização dos jovens revela a paixão com que vivemos o Evangelho; não é mais difícil do que noutra época, é diferente e requer testemunhas místicas e capacitadas para gerar propostas corajosas e ousadas.

“A evangelização dos jovens revela a paixão com que vivemos o Evangelho; não é mais difícil do que noutra época, é diferente e requer testemunhas místicas e capacitadas para gerar propostas corajosas e ousadas”

As Jornadas Mundiais da Juventude 2023 são uma marca na vida da Igreja e dos salesianos em Portugal. Que lhe parece?

As JMJ continuam a ser uma oportunidade, na medida em que deixam abertos muitos caminhos pelos quais hoje podemos continuar a transitar: muitas aprendizagens de que podemos continuar a aproveitar e alguma que outra luz sobre como trabalhar juntos, nesta Igreja plural, para continuar a ajudar os jovens a mergulhar no Evangelho de Cristo. Isto supõe para muitos a busca de espiritualidade e profundidade, tornando visível ao mundo que crer no Deus de Jesus Cristo vale a pena. Nas JMJ descobrimos nos jovens a capacidade de desfrutar, de se emocionar, de rezar, de rir, de se relacionar na diferença, de se maravilhar, de viver em paz com gente tão diferente, de escutar o chamamento de Deus.

Pe. Miguel Ángel García em Roma
Em diálogo com jovens em Roma

Em jeito de mensagem aos jovens do MJS em Portugal, que desafios gostaria de lhes fazer? Aos jovens do MJS tem de nos “mover a esperança”, em palavras do Lema do Reitor-Mor. Ser pessoas que cuidam quatro colunas: os reencontros, isto é, a “amorevolezza” (amabilidade) salesiana; a hospitalidade, quero dizer, aprender a viver e escutar histórias dos outros; a esperança do salvador, o Senhor, em quem convergem todas as promessas; e a santidade quotidiana, simples, alegre e concreta.


Pe. Miguel Ángel García
Nasceu em Madrid no dia 29 de setembro de 1967. Foi ordenado sacerdote a 5 de abril de 1997. Entre 2010 e 2017 foi o responsável pelo Departamento de Escolas e Formação Profissional do Dicastério da Pastoral Juvenil. Foi docente, diretor, delegado da Pastoral Juvenil. É licenciado em Filosofia e mestre em “Acompanhamento pessoal e discernimento vocacional”. Fundou o Centro de Intervenção Social “Associação “Lumbre”.

Publicado no Boletim Salesiano n.º 585 de Março/Abril de 2021

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