Um trabalho atento sobre ti mesmo

O entusiasmo pode apagar-se rapidamente. É necessário traduzir os impulsos em atitudes permanentes, os propósitos em virtudes adquiridas.

Quem deseja crescer espiritualmente deve estar atento e cultivar o próprio organismo interior com o exercício e com o esforço. De facto, os nossos pontos débeis são muito tenazes e tendem a reaparecer.

O coração deve estar purificado, a vontade reforçada, para dominar as paixões, construir as virtudes e crescer na caridade. Se não queres enganar-te, deves ser muito exigente no controle de ti mesmo, com doçura e aplicação. Jesus ensinou-nos que o caminho da vida é estreito e fatigoso. Quem quer ser seu discípulo deve abraçar a própria cruz com amor e segui-lo.

Qualquer atleta sabe que não pode obter triunfos sem exercício diário e disciplina. Mas os resultados a que aspira, o desporto que pratica, apaixonam-no de tal maneiro que não sente fadiga e enfrenta qualquer sacrifício com alegria e determinação. O esplendor do valor a que te propões, a consciência do que estás chamado a ser e que realmente podes alcançar, e a resolução de abraçar com todo o coração a vida cristã, são suficientes para manter e tornar agradável o teu esforço. Não é uma fadiga, mas uma fonte de alegria viver como cristãos, quando o amor de Deus te alimenta. Depois de receber o hábito eclesiástico tive que trabalhar muito para vencer a minha natureza inquieta. Devia ter livre o meu coração, purificando-o de tudo quanto o atormentava, orientando-o para Deus. Lendo as Memórias do Oratório alguém podia admirar-se e considerar exagerado o meu esforço ascético no período do seminário e a total renúncia a toda a diversão.

Asseguro-te que para mim era necessária uma radical reforma de vida. Mais adiante, alcançada a plena liberdade de espírito e a unificação do meu ser em Deus, tomaria quanto tinha deixado como instrumento para conseguir os fins educativos e formativos da missão entre os jovens. Não podes imaginar a eficácia pastoral que adquiriram o jogo, o desporto, as excursões, os passeios, as alegres companhias, as festas, a música, o teatro, a arte, a ciência, a literatura…, quando são vividas num horizonte interior, afetivo e mental liberto de toda a atitude consumista, através de um trabalho ordenado e profundo de regeneração.

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Os meios úteis para este trabalho de purificação e de construção são muitos. Tirei muito proveito do exame diário de consciência, dos propósitos sistemáticos orientados a superar os defeitos dominantes do carácter e as debilidades devidas às paixões, da confissão frequente e regular, da direção espiritual, da correção fraterna. Sustentaram-me e deram-me força a oração diária comunitária e pessoal, a meditação, a eucaristia e a adoração, a devoção a Nossa Senhora, os retiros espirituais mensais e anuais. Fui estimulado pelas boas amizades, por leituras sólidas e interessantes… Mais tarde, ensinei os jovens a fazer o mesmo, cada qual segundo a sua sensibilidade, os seus gostos e necessidades pessoais.

Sobretudo insisti para que tivessem sob controlo os sentidos, aceitassem com valentia as dificuldades e os contratempos de cada dia, fossem fiéis aos compromissos assumidos e se aproximassem dos sacramentos da penitência e da eucaristia com uma boa preparação. Exortei-os a que, além das orações do costume da manhã e da noite, tomassem o costume e o gosto pela leitura de autores espirituais, mas especialmente da Palavra de Deus, meditada e estudada com amor. Para evitar o risco de confundir um estado de alma psicológico com a vida espiritual autêntica, procurei sugerir a cada um, um programa personalizado.

A Miguel Magone propus-lhe a regularidade na oração e nos deveres de cada dia. Pedi-lhe uma séria vigilância sobre a sua impetuosa sensualidade, com a guarda dos sentidos, especialmente dos olhos e da gula, uma certa austeridade de vida e o cuidado para evitar leituras, espetáculos e fracas ou perigosas companhias. Mas quis que harmonizasse o compromisso interior com a sua grande vitalidade e com uma enorme caridade para com os seus companheiros, mostrando-se atento e serviçal para com todos nas circunstâncias concretas de cada dia.

Com Francisco Besuco, mais tímido e apagado, insisti principalmente sobre a alegria e a participação no recreio com os companheiros, sobre o cuidado das relações, sobre a precisão no estudo e na exata ocupação do tempo, sobre a fidelidade e a diligência nos pequenos serviços de cada dia, sobre o espírito de oração, convidando-o a superar a sua ânsia com atos de confiança e de sereno abandono a Deus.

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A Domingos Sávio, obcecado por uma tremenda tensão para a santidade, pela necessidade de recolhimento e de grandes horizontes espirituais, pedi-lhe que controlasse as emoções exageradas, mantivesse uma constante e moderada alegria, perseverasse no cumprimento do dever de cada dia e participasse sempre no recreio com os companheiros. Orientei a sua necessidade de entrega total propondo-lhe que se tornasse apóstolo entre os companheiros, ajudando os mais fracos, animando um grupo dos mais fervorosos impelindo-os para uma vida de maior qualidade e a ser fermento positivo do ambiente, colaborando ativamente na missão educativa e pastoral do Oratório.


Para refletires

  • Também hoje se pode dizer que a ascese e a vigilância são absolutamente necessárias para a vida cristã? Para que objetivos se deve apontar o controlo de si mesmo e o compromisso ascético? 
  • Quais são os meios mais adequados para ti para este trabalho de purificação e de construção?  
  • Porquê é indispensável traçar-se um programa espiritual personalizado?

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