Diácono Ricardo Mendes: “Eu gostaria que o Pe. Ricardo fosse sempre mais como Deus o quer”

Com 32 anos de idade, o Diácono Ricardo Mendes prepara-se para a sua Ordenação Presbiteral, que terá lugar no próximo dia 6 de abril, na Igreja de Nossa Senhora Auxiliadora, nos Salesianos de Lisboa.
Tendo crescido numa família “muito católica”, que sempre o incentivou a rezar e a ir à missa, Ricardo Mendes frequentou, ao longo da sua infância e adolescência, a catequese, os escuteiros, o grupo de jovens e o grupo de acólitos, contudo, foi depois de terminar a licenciatura em Terapia da Fala, que se começou a questionar sobre a sua vocação.
Colocando à “prova” as suas dúvidas, embarcou, com os Salesianos, numa missão de oito meses, para Moçambique. Ao regressar a Portugal decidiu fazer uma experiência vocacional na comunidade do Estoril e foi então que abraçou a “vocação de Salesiano”.
No futuro, Ricardo Mendes espera ser sempre “uma testemunha da alegria e da paz interior, que nos pode trazer Jesus”, e um sacerdote com a capacidade de servir a todos e de colaborar com todos”.

Quem é o Ricardo Mendes?

Sou um salesiano, com 32 anos, que está quase a tornar-se presbítero (padre). Sou uma pessoa muito apaixonada por aquilo que faço, que gosta de procurar o sentido mais profundo das coisas, e que vive, intensamente, as suas amizades.

Sou também bastante teimoso e desorganizado.

Qual foi o seu percurso até aqui?

Nasci no seio de uma família muito católica. Os meus pais, desde muito pequeno, que me habituaram a ir à missa e a rezar em casa, com ajuda, também, dos meus avós.

Na paróquia, frequentei a catequese e os escuteiros, até aos meus 10 anos. Quando tive de sair dos escuteiros, por uma questão de gestão de tempo, acabei por entrar para o grupo de acólitos, o que também me ajudou a ganhar outro gosto pela Eucaristia.

Ao terminar o Secundário decidi entrar no curso de Terapia da Fala (licenciatura) e mudei também de paróquia. Na nova paróquia, constituímos um grupo de jovens que também me foi ajudando muito a crescer na minha relação com Deus. Foi nessa altura, e em particular na JMJ de Madrid 2011, que me comecei a questionar sobre a minha vocação. No entanto, depois dessa experiência iniciei uma relação de namoro e fui colocando algumas dessas questões “de lado”.

Mais tarde, em 2014, tendo concluído a minha Licenciatura, decidi “pôr à prova” estas minhas dúvidas e embarquei numa experiência de voluntariado com os Salesianos, em Moçambique. Estive em Moçambique durante oito meses e fascinou-me o trabalho e a vida comunitária dos Salesianos. Foi ao regressar a Portugal que decidi fazer uma experiência vocacional, séria, na comunidade do Estoril. Foi esta experiência que me levou a abraçar a vocação de Salesiano.

Depois disso, fiz o noviciado, a primeira profissão religiosa e os estudos de Filosofia em Roma; dois anos de experiência pastoral na comunidade salesiana de Manique; os estudos de Teologia, novamente, em Roma; até chegar à comunidade salesiana de Lisboa, onde me encontro agora.

Como descobriu a sua vocação? Teve logo a certeza de que o seu caminho vocacional passava pelo sacerdócio?

Não, de todo. Fui descobrindo a vocação aos poucos, através das experiências que fui fazendo, e nas quais o Senhor me foi indicando o caminho a seguir. Até aos meus 20 anos, estava longe de imaginar que a minha vida poderia passar por ser um religioso consagrado e padre. Confesso que quando era adolescente e acólito às vezes brincava com essa possibilidade, porque havia sempre alguns padres e algumas pessoas a dizer: “fica muito bem como acólito, quem sabe um dia não se torna padre”. Mas, depois de entrar para a licenciatura em Terapia da Fala, achei que o meu futuro estava definido. A verdade é que nesse período, a relação com Deus foi-se intensificando e fui começando a questionar-me se o meu futuro não poderia passar por uma entrega total à Igreja.

Porquê a escolha da Congregação Salesiana?

A vida de Dom Bosco e de Domingos Sávio sempre me fascinou. A simplicidade da sua santidade era algo inédito para mim. Até ler a história de Domingos Sávio, pensava que os Santos eram só os discípulos, os mártires, monges ou Papas. Com Domingos Sávio e, depois, com Dom Bosco, percebi que também eu, sendo criança ou adolescente, podia tornar-me Santo nas coisas mais banais. E isso fascinava-me!

Escolhi, também, os Salesianos porque, enquanto jovem, que tentou viver a sua juventude ao máximo – com tudo o que isso tem de bom e de mau -, fui percebendo que esta era uma fase decisiva da vida, onde cada escolha pode fazer a diferença no futuro.

Por fim, sempre que pensava na hipótese de ser padre, não gostava da ideia de ter de viver sozinho, sempre desejei viver numa casa com mais pessoas e, por isso, a vida comunitária tinha mais sentido para mim.

A sua família foi o seu primeiro “seminário”? Sempre o apoiaram nas suas decisões?

Sim, sem dúvida. Foram eles que, desde que nasci, me mostraram a importância e a beleza de rezar, de acreditar e de participar na Eucaristia. Para além disso, sempre me apoiaram em tudo. Mesmo quando tomei a decisão de entrar na Congregação Salesiana, pensei que seria difícil de aceitar para eles, por ser filho único… mas, a verdade, é que aceitaram muito bem e deram-me, sempre, todo o apoio.

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E os seus amigos? Não o questionaram?

Muitos questionaram bastante, sobretudo, os que não acreditam e não têm qualquer tipo de participação na vida da Igreja. Mesmo depois de entrar na Congregação, muitos diziam, abertamente, que achavam que ainda ia “desistir da ideia de ser padre”. Contudo, ao longo do tempo, foram percebendo que eu estava muito feliz com a decisão de ser Salesiano, e nunca se afastaram de mim, nem deixaram de me apoiar no que precisava.

Continuo a dizer que tenho a sorte de ter um grupo de amigos chegados que, mesmo não percebendo, exatamente, esta minha opção, continuaram com a mesma amizade e, sempre que podemos, ainda nos encontramos para partilhar a nossa vida. Outra parte bonita é que, agora, são eles a pedir-me para celebrar os seus matrimónios e para batizar os filhos.

É fácil para um jovem decidir, por exemplo, entre o namoro, o casamento e a vida religiosa?

Fazer uma opção de vida que implique dizer “para sempre”, nunca é fácil. Sabemos o quanto a vida muda, sobretudo, nos dias que correm, e, por isso, vemos a dificuldade que os jovens têm em assumir compromissos de longa duração.

Há pessoas que, desde muito cedo, começam a perceber qual é a sua vocação (não foi o meu caso). Ainda assim, é sempre difícil quando temos de entregar a vida toda, tanto no matrimónio, como na vida religiosa, ou no serviço total à Igreja. A verdade é que, quando não somos capazes de arriscar a fazer esse compromisso, parece que nos fica sempre a faltar alguma coisa.
Já conheci muitas pessoas a permanecerem angustiadas por uma incapacidade de tomar esta opção definitiva.

Quais foram os principais desafios que enfrentou nesta sua caminhada?

No início, o principal desafio foi o de me desligar da minha vida de filho único e de estudante universitário. Para mim, não era fácil passar de uma casa onde estava só com os meus pais, e onde tinha todo o género de liberdades, para uma vida comunitária, cheia de horários e com imensa gente com quem partilhar as refeições e as orações diárias.

A vida comunitária é, sem dúvida, um grande desafio, mas, também, uma grande riqueza. Um desafio porque nos “obriga” a lidar com pessoas que, inicialmente, são quase desconhecidos para nós e que têm feitios e idades muito diferentes. Mas, também, uma riqueza pelo facto de podermos ter irmãos que nos ajudam a rezar e com quem podemos aprender, diariamente, imensa coisa.

Outro dos desafios (que ainda estou a tentar superar) é saber lidar com os “insucessos pastorais”. Posso dizer que ao longo da minha vida fui sempre alcançando aquilo que desejava e, ao chegar aos Salesianos, percebi que nem sempre é possível fazer as coisas como queremos e alcançar sempre os resultados desejados. Sobretudo, quando esses resultados dependem dos jovens, que vivem numa fase onde tudo é inconstante.

Quem foi mais importante nesta sua jornada vocacional?

É difícil nomear uma só pessoa, porque houve muita gente importante no meu caminho vocacional. Os meus pais, como já referi, foram importantíssimos. Sobretudo, a minha mãe, por ser a pessoa com quem sempre tive mais à-vontade para falar sobre questões de fé e sobre as minhas dúvidas vocacionais.

O Pe. Jerónimo da Rocha Monteiro, sdb, por ter sido o primeiro Salesiano que conheci e, por isso, a primeira pessoa a falar-me de Dom Bosco, de Domingos Sávio e dos Salesianos. Também foram muito importantes pessoas como Pe. Marco, o meu pároco no Seixal nos anos em que estudei na universidade; bem como a Cristina e o Pedro, o casal que acompanhou o grupo de jovens onde estive inserido nesses mesmos anos.

Depois de entrar nos Salesianos, houve muitas outras pessoas que tiveram uma grande importância, mas ocuparia demasiado espaço para os nomear a todos.

Quais foram os momentos mais significativos desta sua caminhada vocacional?

A JMJ de Madrid, como já referi, foi um momento muito marcante, pelo ambiente que se viveu no grupo em que ia, mas, também, pela convivência mais próxima com os padres e seminaristas da minha Diocese e por ver uma multidão tão grande de jovens a juntarem-se, ali, por Cristo e pelo Papa.

Outro momento importante foi, sem dúvida, o voluntariado de oito meses em Moçambique. No início foi bastante complicado, quer pela distância da família e dos amigos, quer pela diferença cultural, mas, depois da adaptação, senti mesmo que era ali que pertencia.

Depois, já dentro da Congregação, marcaram-me muito todas as celebrações especiais: a primeira profissão, a profissão perpétua e a ordenação diaconal. Foi muito marcante também a renovação da profissão, em Manique, porque na altura, já em pandemia, foi a oportunidade de me despedir de todas as pessoas com quem convivi, durante dois anos, naquela comunidade.

Como será o Pe. Ricardo Mendes?

Eu gostaria que o Pe. Ricardo fosse sempre mais como Deus o quer. E acredito que Deus o quer sempre disponível para ouvir e acompanhar todos as pessoas e, de um modo especial, os jovens, que a ele recorram.

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Gostaria que fosse sempre, uma testemunha da alegria e da paz interior, que nos pode trazer Jesus. Alguém com a capacidade de servir a todos e de colaborar com todos. Alguém que nunca abandone a oração, a escuta, e a meditação quotidiana da Palavra de Deus.

Na sua opinião quais são, atualmente, os principais desafios enfrentados pela Igreja e pela própria sociedade?

Creio que tanto na sociedade como na Igreja, o principal desafio que encontramos é o da pluralidade e, ao mesmo tempo, polarização de opiniões, que não nos ajudam a procurar a verdade. Estamos num tempo em que procuramos a verdade num dos pratos da balança: à direita ou à esquerda; no tradicionalismo ou no progressismo; no liberalismo ou no conservadorismo. A verdade é que, muitas vezes, a Verdade parece encontrar-se justamente no meio, naquilo que dá equilíbrio aos pratos da balança.

Com o multiplicar de formas de comunicação e, consequente multiplicar de opiniões (mais ou menos fundadas), acabamos, muitas vezes, por perder a noção desse equilíbrio.

É cada vez mais necessário procurar um equilíbrio em todas as coisas, ponderando e refletindo sobre o que vemos e ouvimos. Todas as coisas que nascem com um fundo de bem, quando são levadas ao extremo, acabam por se transformar em coisas más.

Ser jovem católico está fora de moda? Encontros como a Jornada Mundial da Juventude, por exemplo, podem, na sua opinião, alterar este tipo de pensamento?

Eu acho que ser jovem católico já foi mais uma coisa fora de moda. É verdade que, para quem não frequenta a Igreja, torna-se muito difícil perceber onde está a atração por seguir Jesus Cristo, isto numa sociedade onde temos tudo à nossa disposição. Mas, para aqueles que frequentam movimentos católicos, escolas católicas e as paróquias, nota-se que há um esforço por oferecer propostas atrativas, que fazem ver que a Igreja está bem viva e atual.

Um dos casos de muitos frutos pastorais é, por exemplo, a Missão País, que parece ser, cada vez mais, uma iniciativa “na moda”, no mundo universitário. Obviamente, que nós não fazemos nada para estar “dentro” ou “fora” da moda. Tudo o que fazemos tem como objetivo levar Jesus Cristo, de uma forma atrativa, para a cultura dos nossos dias.

No meio de tudo isso, a Jornada Mundial da Juventude acaba por ser marcante porque é uma forma de mostrar ao mundo que, afinal, ainda há muitos jovens que têm orgulho em dizer-se católicos.

Estamos perante uma crise de vocações na Igreja?

Na Igreja Ocidental, sim. Em continentes como a Ásia e a África, essa crise não é sentida. Mas, falar numa crise de vocações, não é falar numa crise de padres ou de freiras, a verdadeira crise de vocações é esta dificuldade, cada vez maior – que eu já tinha falado -, de se assumir um compromisso para toda a vida. E, por isso, a crise de vocações é, também, uma crise do matrimónio, e não só das vocações à vida religiosa ou sacerdotal.

Num mundo em constante mudança, quais são as suas expetativas para o futuro do sacerdócio e da própria Igreja?

Penso que no futuro próximo, em Portugal, continuaremos a ver uma Igreja com menos fiéis, mas, que estão mais conscientes do significado de ser cristão, e com mais desejo de serem eles os protagonistas de uma nova evangelização. Uma Igreja que continuará a ser um sinal camuflado, mas luminoso, como o “sal da terra e luz do mundo”, que mostra à nossa sociedade que não nos podemos bastar a nós próprios, que quando vivemos de forma egoísta, acabamos por entrar num mar de depressão e desespero.

Quanto ao futuro do sacerdócio, acho que os sacerdotes serão, sempre, pessoas cada vez mais próximas do povo e capazes de colaborar, com todos, no anúncio de Cristo.

Acredito que a grande atenção dada à formação e ao acompanhamento dos seminaristas e dos religiosos, em formação, dará os seus frutos e que, de futuro, teremos sacerdotes sempre com maior sensibilidade e atenção à atualidade do mundo, e com capacidade de dar novas respostas.

Que conselho pode dar aos jovens que estão, neste momento, a fazer o seu caminho vocacional?

Que procurem sempre a vontade de Deus, sem medo, e que se deixem acompanhar por alguém com mais experiência.

Não tenham medo de arriscar, fazendo as experiências certas nos momentos certos. Não há mal nenhum se um jovem decide passar por um período de experiência numa casa religiosa e depois percebe que aquele não é o seu caminho. Da mesma forma, não há mal nenhum se um jovem, enquanto namora, perceber que o seu caminho não é o matrimónio. O importante é fazer as experiências, amadurecer ideias, deixar-se e acompanhar e questionar-se sempre perante Deus: “De que forma posso ser Santo? De que forma posso servir melhor a Deus e aos outros? De que forma posso ser feliz?”.

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