Eduardo Jesus: “Valores católicos são fundamentais para a evolução da sociedade”

Eduardo Jesus é antigo aluno dos Salesianos do Funchal. Hoje é o Secretário Regional de Turismo e Cultura do Governo Regional da Madeira, setor que representa cerca de 25% do PIB regional. Independente, é a segunda vez que integra o executivo da Região.

É secretário de Turismo e Cultura do Governo Regional da Madeira. Sendo o turismo a maior fonte de divisas da Região como vê o futuro?

O futuro é um processo de continuidade onde a incerteza impera, com naturalidade. Viajar, é cada vez mais um desejo que se concretiza para um maior número de pessoas em todo o mundo. A globalização tem muito a ver com a atividade turística e essa abertura torna este um setor muito apetecido mas, também, um sistema muito vulnerável a fenómenos de variadíssima ordem. Qualquer instabilidade origina consequências que influenciam, em muito, o turismo. Cada vez mais, os desafios são de diversa natureza e este que hoje vivemos, da presença da Covid-19, significa um dos maiores para várias gerações. Estou a responder a esta entrevista em plena crise provocada pelo novo coronavírus. Ainda estamos a lutar contra a contaminação e a favor da preservação da saúde pública. Depois virá uma nova fase de relançamento da economia e do restabelecimento das rotinas diárias. Quando este mesmo trabalho for publicado, muito terá ocorrido, mudado e evoluído.

Licenciado em Gestão, Eduardo Jesus é responsável pelos sectores do Turismo e da Cultura da Madeira (Fotografias cedidas por Eduardo Jesus)

“Ainda estamos a lutar contra a contaminação e a favor da preservação da saúde pública. Depois virá uma nova fase de relançamento da economia e do restabelecimento das rotinas diárias”

Não teme que esse relançamento seja impossível por um desvio do fluxo de turistas?

Sim, esse risco existe sempre. A decisão de viajar é fortemente influenciada pelos acontecimentos que ocorrem nos territórios. Tem sido assim e é natural que continue, tanto mais que a comunicação é rápida e dinâmica, permitindo um conhecimento como nunca antes experimentado. Neste caso concreto que hoje vivemos, a pandemia da Covid-19, é um problema planetário. Os fluxos turísticos estarão dependentes do bem-estar das origens e dos destinos. Enquanto esta situação não se normalizar e enquanto não acabarem os casos de infetados, o turismo resultará muito condicionado. A Região pode até resolver o problema da infeção localmente, mas enquanto os países emissores não o fizerem, não teremos a ativação do turismo. É um processo que requer muito e a todos.

“Guardo as melhores recordações dos nove anos em que fui aluno da Escola Salesiana. Os Salesianos são uma escola para a vida”

O seu nome está ligado, por laços familiares, a uma grande figura política e antigo aluno salesiano, Correia de Jesus. A política ganha com pessoas assumidamente católicas?

A educação católica permite uma formação estruturada em valores que entendo necessários e fundamentais à evolução da sociedade. O grande contributo dessa base reside na dimensão humana que transporta e nos comportamentos que facilita. Não me restam dúvidas da fortíssima influência de uma educação católica na qualidade das decisões que se tomam, também, quando responsáveis pelo interesse comum.

É também antigo aluno salesiano. Que recordações guarda da Escola Salesiana? Quer lembrar o ambiente da altura ou algum momento especial?

As recordações são as melhores dos nove anos em que fui aluno da Escola Salesiana. O ambiente e o relacionamento entre as pessoas produziam um relacionamento que guardo como boa memória. A dedicação dos professores e outros auxiliares e a atenção que sempre havia por quem dela precisava foi marcante. O facto de existirem os alunos internos e os externos também nos dava uma visão diferente da vida. As celebrações eram momentos especiais de agradecimento e essa mensagem ficou bem marcada. Os Salesianos são uma escola para a vida.

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Apesar de ter seguido carreira na área da economia e da gestão, aquilo que aprendi nos “trabalhos oficinais” ainda me vale de muito. Essa experiência, despertou-me, inclusivamente, para outras realidades que hoje constituem os meus verdadeiros hobbies.

Em 1976, quando frequentava a 2.ª classe com os salesianos Pe. Manuel Pinho e Sr. Domingos Oliveira (o primeiro da direita na terceira fila). Em baixo, numa peça de Teatro da Escola em 1981 (o primeiro da direita)

Como governante, acha importante que o ensino privado tenha o seu lugar no contexto da política de educação?

Sim, considero fundamental. Há que saber tirar partido da complementaridade que resulta da oferta privada e da oferta pública. Entendo que o sistema resulta completo desta forma.

Os Salesianos celebram, em outubro, 70 anos da sua chegada ao Funchal. Esta presença foi determinante para o que é hoje a Madeira no contexto político, empresarial e outros?

Sem qualquer dúvida. Basta ver os milhares e milhares de alunos que passaram pelos Salesianos que desenvolvem as suas atividades na região ou fora dela. São gerações e gerações que emprestam a sua competência, o seu saber e a sua determinação ao desenvolvimento dos territórios onde se encontram. A realidade regional está fortemente ligada à presença dos Salesianos. É notório o sentimento de um antigo aluno quando se refere a essa experiência educativa. É qualquer coisa que nos une de forma diferente.

Tive oportunidade de sentir que, ao conhecer pessoas, mesmo fora do país, quando se constata que se trata de antigos alunos Salesianos, dá-se qualquer coisa de especial, alguma coisa como que um conforto e ou uma confiança. Isto espelha bem o sentimento que une a comunidade salesiana.

“A realidade regional está fortemente ligada à presença dos Salesianos. É notório o sentimento de um antigo aluno quando se refere a essa experiência educativa. É qualquer coisa que nos une de forma diferente”

O cardeal José Tolentino Mendonça, quando foi agraciado pelo Governo Regional, recomendou que a biodiversidade da ilha fosse protegida convenientemente. É possível essa proteção?

Essa preocupação existe e tem sido colocada em prática. Hoje testemunhamos uma consciência mais alargada de toda a população que vai muito para além dos reconhecimentos internacionais que nos são feitos. Todos importantes para nos posicionar no mundo e valorizar aquilo que cá temos.

Atualmente, para além da responsabilidade governamental que é evidente, a educação dos mais jovens já se faz com essa mensagem. Esse é, talvez, o maior e mais importante investimento que se está a concretizar. Por outro lado, a criação do Instituto das Florestas e da Proteção da Natureza, pelo presente governo, é um sinal muito forte e tem permitido um avanço interessante.

Com o Cardeal Tolentino Mendonça na cerimónia de entrega da Medalha de Mérito da Região Autónoma da Madeira

Há quem diga que a carga de turistas, nalgumas localidades da ilha, ultrapassa o desejado. O que está a ser feito para que a pressão seja contida?

A Região dispõe de um Plano de Ordenamento do Turismo e de uma Estratégia para o Turismo onde este aspeto está devidamente considerado. As orientações que ali se encontram permitem minimizar o efeito da carga que refere.

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Estamos a trabalhar em coisas simples que têm forte impacto nesse propósito, como a recomendação da alteração dos circuitos permitindo a presença nos locais em horas diferentes do dia; a alteração de sentido de visita nalguns percursos para evitar o congestionamento de fluxos de entrada e de saída, entre outras. Enfim, um conjunto de medidas práticas que já começam a dar resultados.

Os ecossistemas aquáticos, tão relevantes nos mares da Madeira, estão a ser defendidos adequadamente dos mergulhadores que chegam de todo o mundo?

A Região dispõe de várias áreas de reserva que permitem a conservação das espécies e do meio. Fomos dos primeiros a tê-las no País e continuamos a aumentar essas mesmas zonas. Naturalmente que esta política contribui para a afirmação do destino na valência que refere, pois qualifica-o e distingue-o dos restantes. O mar, enquanto natureza, é uma força comunicacional muito forte e a Região tem uma enorme valia pelo facto de oferecê-lo durante todo o ano e para diversas atividades que acolhem aquilo que todos agora procuram – as experiências.

O Papa Francisco alerta para o «desafio de proteger a nossa Casa Comum que inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral». A sua Secretaria tem proposto medidas nesse sentido?

A Secretaria tem à sua responsabilidade a sustentabilidade do destino e este enorme processo não se confina à dimensão turística, mas é nesta que deixamos o nosso contributo, conscientes de que a amplitude é maior. É uma inevitabilidade assumir este posicionamento, por várias e diversas razões, mas a mais importante tem a ver com a responsabilidade pelo futuro. Muito se tem feito e sistematizado e a Região encontra-se numa fase importante deste processo. Caminhamos, a largos passos, para uma realidade diferente e melhor para todos.

“No que respeita ao património cultural, a Região está a intervir como nunca. A recuperação do Convento de Santa Clara e a intervenção na Sé Catedral são exemplos”

No âmbito da Cultura, que projeto regional gostaria de ver integrado de imediato no plano nacional de reabilitação do património cultural?

Entendo a cultura como a expressão mais autêntica de um povo. É, no fundo, a sua alma. Tenho a felicidade de responder pelo turismo e pela cultura e concretizar o desafio de juntá-los numa mensagem comum é das maiores satisfações que tenho. A Região dava-se a conhecer, essencialmente, através da natureza – montanha e mar. Assumiu-se o pilar da cultura e a mensagem passou a considerar a dimensão humana, os hábitos, as tradições, os costumes. Este processo foi de um enriquecimento extraordinário. Por outro lado, motivar a oferta cultural para públicos diferentes é, também, um grande desafio que faz evoluir e crescer toda a dimensão cultural.

No que respeita ao património cultural, a Região está a intervir como nunca. A recuperação do Convento de Santa Clara constitui o exemplo maior, para além de mais uma fase importante de intervenção na Sé Catedral, agora nos tetos, depois das coberturas, da torre e do altar. Esta política de intervenção na conservação do património é para continuar. O planeamento está feito e muitas intervenções ocorrerão nos próximos anos.

Se fosse convidado a falar aos alunos e professores da sua antiga escola que mensagem gostaria de lhes deixar?

Que a vida é um fascínio que ocorre numa passagem, de tempo incerto, e que merece a maior intensidade, dedicação e empenho. Que viver é uma dádiva, um ato único, simples e de cada um mas que no conjunto constrói a humanidade.

Eduardo Jesus
Idade:
51 anos
Antigo Aluno: Salesianos do Funchal 1975-1984
Formação: Licenciado em Gestão de empresas pelo ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa

Publicado no Boletim Salesiano n.º 581 de Julho/Agosto de 2020

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