Imagem: "Sermão na Montanha" de Carl Bloch (1877)

Profetas do perdão e da gratuidade

Mensagem do Reitor-Mor, Pe. Fabio Attard, aos leitores do Boletim Salesiano.

Nestes tempos, em que as notícias, diariamente, nos comunicam experiências de conflito, de guerra e de ódio, há o grande perigo de que nós como crentes acabemos por ser envolvidos numa leitura dos acontecimentos que se reduz somente ao nível político ou então nos limitemos a tomar posição a favor de uma parte ou de outra com argumentos que têm a ver com a nossa maneira de ver as coisas, com a nossa maneira de interpretar a realidade.

No discurso de Jesus que se segue às bem-aventuranças, há uma série de “pequenas/grandes lições” que o Senhor nos oferece. Começam sempre com o versículo “ouvistes que foi dito”. Numa delas o Senhor recorda o dito antigo “olho por olho e dente por dente” (Mt 5,38).

Fora da lógica do Evangelho, esta lei não só não é contestada, mas pode mesmo ser tomada como regra que exprime o modo de ajustar as contas com aqueles que nos ofenderam. Vingar-se é percebido como direito, até ao ponto de chegar a ser também um dever.

Jesus apresenta-se perante desta lógica com uma proposta completamente diferente, totalmente oposta. Àquilo que ouvimos, Jesus diz-nos: “Eu, porém, digo-vos” (Mt 5,39). E aqui como cristãos devemos prestar muita atenção. As palavras de Jesus que se seguem são importantes não somente por si mesmas, mas porque exprimem de uma maneira muito sintética toda a sua mensagem. Jesus não nos diz que há outro modo de interpretar a realidade. Jesus não se aproxima de nós para alargar o espetro das opiniões a propósito das realidades terrenas, de modo particular as que se referem à nossa vida. Jesus não é outra opinião, mas Ele mesmo incarna a proposta alternativa à lei da vingança.

A frase “Eu, porém, digo-vos” é de fundamental importância porque agora já não é a palavra pronunciada, mas a pessoa mesma de Jesus. Aquilo que Jesus nos comunica, vive-o Ele. Quando Jesus diz “não oponhais resistência ao mau, mas, se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra” (Mt 5,39), estas mesmas palavras viveu-as em primeira pessoa. Seguramente não podemos dizer de Jesus que prega bem, mas vos faz mal na sua mensagem.

Para voltar aos nossos tempos, estas palavras de Jesus correm o risco de ser interpretadas como as palavras de uma pessoa fraca, reações de quem não é capaz de reagir, mas só de sofrer. E, com efeito, quando não olhamos para Jesus que se oferece totalmente no madeiro da Cruz, esta é a impressão que podemos ter. Contudo, sabemos muito bem que com o sacrifício na Cruz é fruto de uma vida que parte da frase “Eu, porém, digo-vos”. Porque tudo aquilo que Jesus nos disse, assumiu-o Ele em pleno. E assumindo-o em pleno conseguiu passar da Cruz a vitória. A lógica de Jesus é uma lógica que aparentemente mostra uma personalidade perdedora. Mas sabemos muito bem que a mensagem que Jesus nos deixou, e que Ele viveu plenamente, é o remédio de que este mundo hoje tem mesmo necessidade.

Profetas do perdão

Ser profetas do perdão significa assumir o bem como resposta ao mal. Significa ter a determinação de que o poder do maligno não condicionará o meu modo de ver e de interpretar a realidade. O perdão não é a resposta do fraco. O perdão é o sinal mais eloquente daquela liberdade que é capaz de reconhecer feridas que o mal deixa dentro de si, mas que essas mesmas feridas nunca serão um paiol que fomenta a vingança e o ódio.

Reagir ao mal com o mal só serve para agravar e aprofundar as feridas da humanidade. A paz e a concórdia não crescem no terreno do ódio e da vingança.

Profetas da gratuidade

Ser profetas da gratuidade exige de nós a capacidade de ver o pobre e o indigente não com a lógica do lucro, mas com a lógica da caridade. O pobre não escolhe ser pobre, mas quem está bem tem a possibilidade de escolher ser generoso, bom e cheio de compaixão. Como seria diferente o mundo, se os nossos líderes políticos neste cenário em que crescem os conflitos e as guerras, tivessem a sensatez de olhar para aqueles que pagam o preço destas divisões, e são os pobres, os marginalizados, aqueles que não podem escapar porque não conseguem.

Se partirmos de uma leitura puramente horizontal, há motivo para desesperar. Só nos resta ficar fechados nas nossas murmurações, nas nossas críticas. Mas não! Nós somos educadores dos jovens. Sabemos bem que estes jovens, neste nosso mundo, andam em busca de pontos de referência de uma humanidade sadia, de líderes políticos capazes de interpretar a realidade com critérios de justiça e de paz. Mas quando os nossos jovens olham à sua volta, sabemos bem que descobrem sempre o vazio de uma visão pobre da vida.

Nós, que estamos empenhados na educação dos jovens, temos uma grande responsabilidade. Não basta comentar o vazio deixado por uma ausência quase completa de liderança. Não basta comentar que não há propostas com a capacidade de entusiasmar os jovens. Compete a cada um e a cada uma de nós acender a lâmpada de esperança nesta escuridão, oferecer exemplos de humanidade conseguida no quotidiano.

De facto, vale a pena hoje ser profetas do perdão e da gratuidade.

Imagem: “Sermão na Montanha” de Carl Bloch (1877)

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