Entrevista ao Reitor-Mor Pe. Ángel Fernández Artime: “A nossa missão é dignificar a vida dos jovens e suas famílias”

É o X Sucessor de Dom Bosco. Em março de 2020, o Capítulo Geral 28 da Congregação Salesiana confirmou-o para o segundo mandato de Reitor-Mor para o sexénio 2020-2026. Entre 2014 e 2020, visitou 100 nações e 90 Províncias Salesianas no mundo e garante que no meio da diversidade de países e culturas, encontrou sempre “um bom e vivo espírito salesiano”. Move-o a predileção pelos mais necessitados e a convicção de que é o Espírito de Deus que escreve a história da Congregação Salesiana. A entrevista ao Reitor-Mor dos Salesianos.

Pode parecer uma pergunta estranha: quando foi eleito pela primeira vez, certamente não tinha ideia das dificuldades do cargo e dos sacrifícios que o mesmo comporta. Mas, depois de experimentar, ao longo de seis anos, quanto é exigente ser Reitor-Mor, onde foi buscar forças para renovar o seu sim?

Como Reitor-Mor vivi muitas mais coisas bonitas do que dificuldades e sacrifícios, embora seja uma responsabilidade muito grande. A força, como disse, no momento em que aceitei este serviço há quase oito anos, vem de uma confiante fé em Deus, da certeza de que os meus irmãos salesianos e leigos não me deixariam só, e vem da minha predileção pelos jovens. E sinto que em especial os mais necessitados e pobres têm a preferência do meu coração.

Aceitou este segundo mandato em plena pandemia. Até que ponto a Covid-19 veio interromper os projetos que idealizou? Tem esperança de os retomar, brevemente?

É certo que a Covid-19 interrompeu muitos projetos e sonhos a todos, e em todo o mundo. Interrompeu sobretudo viagens que me permitiam estar próximo dos salesianos, da família salesiana, dos leigos e dos jovens do mundo. Mas não posso dizer que tenha estado longe e sem fazer nada. Multiplicaram-se os contactos, as chamadas, as saudações e conferências online; multiplicaram-se as intervenções com a minha palavra e mensagens em todos os continentes.

O acolhimento numa visita a Myanmar em outubro de 2016

A nível de salesianos, professores, colaboradores e alunos houve muitas baixas?

Não disponho de informação acerca das perdas de leigos, de alunos e seus familiares. Sei que houve casos. Contudo nestes 18 meses de pandemia, 186 salesianos, de todas as idades, entre os 32 e os 95 anos, perderam a vida. Certamente vivi e experimentei a forte dor destas perdas, se bem que quisesse em todos os momentos vivê-los como crente, com muita esperança no Senhor da vida.

É o décimo sucessor de um dos maiores Fundadores religiosos. A Congregação Salesiana está presente em 134 países. Quer fazer a distinção entre o exercício de governo de um Superior Geral e o de presidente de uma multinacional?

A distinção vem sem dúvida do facto de ser quem somos (consagrados ao reino de Deus, com a predileção pelos jovens), e também da finalidade dos nossos esforços e desvelos, que não é a de produzir benefícios económicos (como faz qualquer multinacional), mas a de criar com as nossas obras e presenças salesianas no mundo uma rede de ação educativa, evangelizadora e social.

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“É certo que os nossos números são mais do que os de uma multinacional. Somos 14.500 salesianos e estamos em 134 nações. Temos 1932 presenças salesianas no mundo e colaboram e trabalham connosco diariamente mais de 300.000 pessoas. […] Mas não temos nada em comum com elas”

Em 2014, por ocasião da 62.ª Peregrinação da Família Salesiana a Fátima, o Reitor-Mor visitou a Residência Artémides Zatti para salesianos idosos e doentes, em Manique

É certo que os nossos números são mais do que os de uma multinacional. Somos 14.500 salesianos e estamos em 134 nações. Temos 1932 presenças salesianas no mundo e colaboram e trabalham connosco diariamente mais de 300.000 pessoas. Digam-me se isto não seriam cifras de uma multinacional? Mas não temos nada em comum com elas. Em cada lugar do mundo, até no mais recôndito, longínquo e humilde, a nossa missão é a de dignificar a vida dos nossos rapazes, raparigas e suas famílias; capacitá-los para que possam ter uma vida digna. Oferecer-lhes os valores mais importantes para viver uma vida com dignidade, e também, na mais absoluta liberdade, testemunhar a nossa Fé e propô-la. É isto o que, antes de tudo, nos diferencia das multinacionais.

Como reage às situações difíceis? Com calma? Com impaciência ou na convicção de que a Obra que dirige é guiada pelo Espírito?

Creio que o modo de reagir depende, em primeiro lugar e sempre, da maneira de ser de cada pessoa. No meu caso, considero que sou uma pessoa serena e moderada, que até nas maiores dificuldades reage com calma, tomando perspetiva. Mas devo acrescentar que me dá muita Paz sentir que não trabalho para mim mesmo nem procuro objetivos pessoais, senão que tenho a forte convicção de que o Espírito de Deus se torna presente nas nossas vidas e acompanha a história, apesar dos nossos erros e fracassos humanos. É isto o que me move.

Acha que os Salesianos são as pessoas que os jovens de hoje precisam para serem “bons cristãos e honestos cidadãos”?

Eu diria, antes de tudo, que o carisma de Dom Bosco, e Dom Bosco mesmo como “Pai e Mestre da Juventude do mundo”, é de máxima atualidade. E temos muito que oferecer aos jovens do mundo de hoje. Talvez nem sempre o façamos bem, mas, tal como no tempo de Dom Bosco, os jovens continuam a precisar de amigos, educadores e modelos de vida. Sobretudo, pessoas que queiram partilhar a vida com eles, acompanhá-los no seu caminho de crescimento. Queremos ser isto também hoje.

No primeiro mandato, conseguiu visitar mais de 80 países para conhecer os salesianos e as suas obras. Reconheceu-se sempre no espírito local?

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Para ser mais exato, devo dizer que visitei precisamente 100 nações e as 90 Províncias do mundo. Posso assegurar-lhes que, com todos os matizes das diversas culturas e nações, cores de pele e línguas, sempre encontrei um bom e vivo espírito salesiano. Hoje em dia, esta é uma realidade muito bela. Posso assegurar-lhes que a diversidade cultural e a internacionalidade das nossas comunidades é sempre uma tarefa por realizar, mas é um dos testemunhos mais proféticos que podemos dar.

Nas suas visitas de animação ao longo do primeiro mandato, o Reitor-Mor visitou 100 países. Em 2018 visitou a cidade de Aleppo, na Síria, e Tijuana, na fronteira entre o México e os Estados Unidos da América (foto abaixo)

Insisto na pergunta, se me permite: visitando os Xavantes no Brasil ou os indígenas do arquipélago da Papua-Nova Guiné ou os jovens de um Oratório em Paris, encontrou sempre os mesmos traços fisionómicos e identificadores do espírito de Dom Bosco?

Respondo com esta convicção. Os jovens dos diversos continentes e culturas são muito diferentes em muitos aspetos, mas no meu modo de ver têm sempre alguma coisa em comum. Trata-se disto: têm um grande coração, em especial quando se sentem respeitados, queridos e amados.

Anunciou no mês de julho a realização do Festival Global do Cinema Juvenil Dom Bosco. É um projeto fantástico e único no género. Que razões o levaram a lançar tão arrojado e inédito Festival?

Fascina-me esta iniciativa em que acreditei desde o primeiro momento em que nos ocorreu. Pretender envolver centenas e centenas de jovens do mundo para que se expressem acerca da sua condição de jovens e da esperança. Posso dizer que quando escrevo estas linhas já chegaram 1.200 filmes de 87 nações. Que lhes parece?

“Estarei presente [em Lisboa] para participar com uns 5000 jovens, ou mais, procedentes dos ambientes salesianos. Seremos Igreja com toda a Igreja e seremos carisma salesiano que terá perfume a Dom Bosco em favor dos mais pobres e abandonados. Assim são também os jovens de hoje”

Com os jovens do MJS de Portugal na JMJ do Panamá (2019)

Vão realizar-se as Jornadas Mundiais da Juventude 2023 em Lisboa. Milhares de jovens do Movimento Juvenil Salesiano vão reunir-se para ouvir a palavra do X Sucessor de Dom Bosco. Quer antecipar algum pensamento?

Bom, quero precisar que os jovens se reúnem em torno de Jesus convocados pelo Santo Padre. Eu, sim, estarei presente para participar com uns 5000 jovens, ou mais, procedentes dos ambientes salesianos. Seremos Igreja com toda a Igreja e seremos carisma salesiano que terá perfume a Dom Bosco em favor dos mais pobres e abandonados. Assim são também os jovens de hoje.


Pe. Ángel Fernández Artime

Nasceu a 21 de agosto de 1960, em Gozón-Luanco, nas Astúrias, Espanha. Fez a Primeira Profissão em 1978 e a Profissão Perpétua em 1984. Foi ordenado sacerdote a 4 de julho de 1987, em León. Foi Delegado da Pastoral Juvenil, Diretor, membro do Conselho Provincial, Vigário Provincial e Provincial. Em 2009 foi nomeado Superior da Argentina, altura em que colaborou pessoalmente com o Papa Francisco. A 25 de março de 2014 foi eleito X Sucessor de Dom Bosco.

Publicado no Boletim Salesiano n.º 589 de Novembro/Dezembro de 2021

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