Discernimento

1ª Parte: Introdução e reconhecimento

Olá a todos! Chamo-me Pedro Vieira, tenho 32 anos, sou médico e faço parte de um grupo de fé no Centro Salesiano de Manique, onde também sou animador de um grupo de jovens.

Entro em contacto convosco para vos contar como é possível fazer o discernimento, isto é, descobrir de que modo Deus deseja que nós vivamos ao seu serviço. Apresento-vos um pouco da minha vida, não que ela contenha feitos extraordinários, mas para vos dizer que é possível encontrar Deus em todos os aspetos da nossa vida (até os mais simples!) e viver segundo o que Ele deseja de cada um de nós.

Para fazer discernimento, há três etapas a cumprir: reconhecer Deus na nossa vida, interpretar a sua presença e, por fim, escolher o caminho que Deus nos apresenta. Quero agora mostrar-vos que isto não é só teoria, é uma bela realidade que está ao alcance de todos nós!

A primeira vez que reconheci Deus na minha vida foi aos 8 anos, altura em que andava nos Escuteiros aos Sábados e na catequese paroquial aos Domingos. Em ambos, tinha a obrigação de ir à missa, mas eu arranjava sempre forma de dizer que já tinha ido à missa com o outro grupo e assim ficava sempre por não ir a missa nenhuma. De tal forma era a minha fuga, que as minhas catequistas se lembraram de oferecer pequenas lembranças caso eu aparecesse na missa. Nem assim fiz caso do assunto. No entanto, quer os meus amigos da catequese, quer as minhas catequistas, foram repetidamente convidando-me para participar na Eucaristia. Até que um dia, decidi ir… E nem quis acreditar na festa que as minhas catequistas e os meus amigos fizeram ao verem-me a entrar na igreja. Literalmente, correram a abraçar-me e levaram-me pela mão para me sentar ao pé deles. Quanta alegria por estarmos juntos por Jesus! Algo que nunca esquecerei e que me deixou logo entusiasmado com isto de “receber Deus na nossa vida”…

Também nos Escuteiros (grupo católico ao qual ainda pertenço) pude aprender a reconhecer Deus nas pequenas coisas do nosso dia-a-dia e na Natureza. Até nas dificuldades de uma comida mal cozinhada ou de uma noite mal dormida na tenda, consegui encontrar Deus na alegria e na força com que estas dificuldades foram ultrapassadas.

Depois, a entrada na Escola Salesiana de Manique no 5º ano e na qual me mantive até ao 12º ano… Todos os dias pude reconhecer a graça de Deus presente na minha vida através dos professores, dos padres, dos salesianos, dos funcionários e dos meus colegas… Em todos eles encontrei Dom Bosco e o seu Amor dado em nome de Deus para todos os jovens.

2ª Parte: Interpretação

Deixando que Deus fosse entrando na minha vida e estando já desperto a esta sua presença de graça e amor, fui começando a tentar perceber o que Deus me tinha para dizer. Afinal, se Ele estava tão próximo de mim, o que quereria Ele de mim? Como poderia eu levar também aos outros o seu Amor?

Estava eu no 9º ano (tinha 14 anos) e a questão da profissão e do que eu quereria ser “quando fosse grande” começava a despontar… Inicialmente, sempre pensei em ser professor de Matemática, pois era a profissão dos meus pais e eu via neles a forma apaixonada com que davam aulas e a forma como marcavam a vida dos seus alunos, dando-lhes mais-valias para o seu futuro.

Ora, foi precisamente no início desse ano letivo, em que tive um acidente a jogar futebol na escola e parti o braço. Para além de ter de ser operado, tive 2 meses com o braço esquerdo atado ao meu tronco e tive de realizar cerca de um mês de fisioterapia para recuperar totalmente. Durante este processo, conheci gente maravilhosa na área da sáude, entre médicos, enfermeiros e terapeutas. E aí, pensei: “Ei… Este acidente que tive não pode ter sido coincidência! Certamente que foi a forma de Deus me dizer que este seria o caminho que haveria de seguir!” E assim foi, desde então não tirei da cabeça de que Medicina seria a forma de concretizar os planos que Deus tinha para mim.
A faculdade chegou, mas o afastamento dos Salesianos também. Apesar de estar a estudar aquilo que mais gostava, parecia que me faltava algo… Mais uma vez, Deus deu um ar da sua graça e inesperadamente no início do meu 3º ano de faculdade (já estava há mais de dois anos sem contacto com os Salesianos!) recebi um telefonema da Carla (a atual animadora do grupo de fé de que faço parte) a convidar-me para me juntar a um grupo de jovens. Só tenho a agradecer à Carla ter-se lembrado de mim e de ter sido a portadora deste convite que Deus tinha para mim. Aí, percebi que deveria seguir o curso de Medicina, mas sem nunca esquecer a ligação que tinha com Dom Bosco.

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Com este intuito de ter uma relação de proximidade com todos os jovens, decido nesse mesmo ano, entrar na tuna. Muitos me disseram que isso era só para quem só pensava em borga e que não queria saber dos estudos. Mas fui na mesma, com o intuito de viver os tempos de faculdade fomentando fortes amizades com os meus colegas de curso que pudessem durar para a vida. Em boa hora o fiz, pois não só vivi momentos de grande amizade que perduram até aos dias de hoje, como foi num festival de tunas que conheci a Milena, com quem namorei sete anos e com quem estou atualmente casado há três anos. Mais uma vez, Deus a dizer-me que, para além da amizade, era também pelo matrimónio que a minha vida deveria prosseguir.

3ª Parte: Escolha e conclusão

Chega a um ponto da nossa vida, mais tarde ou mais cedo, em que se torna necessário, não só acolher e interpretar a presença de Deus na nossa vida, mas sim ir um pouco mais além e começar a tomar decisões na nossa vida, demonstrando claramente que queremos seguir o caminho de Deus.

É, pois, curioso o que se passou cerca de 3 meses após de ter casado com a Milena… Casados de fresco e surge logo grande desafio: a minha cunhada tinha de ir trabalhar para o estrangeiro por tempo indeterminado e não queria levar o seu filho de 13 anos com ela para que ele não ficasse com o ano escolar interrompido. Lembro-me da minha esposa ter ficado muito preocupada com esta situação e de eu lhe ter respondido que não havia problema e que o sobrinho podia viver connosco. Nós, um recém-casal com experiência nula em criar crianças, quanto mais um adolescente, a acolher para educar um adolescente! Tinha tudo para correr bem… A minha esposa ficou apreensiva (até eu o fiquei!), mas este desafio não era um desafio qualquer… Era Deus a falar comigo e a pedir que me pusesse ao serviço da juventude de uma forma tão direta! Era, pois, impossível dizer que não! Ainda hoje o nosso sobrinho vive connosco e assim continuará durante o tempo que for necessário.

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Na conclusão do meu internato para me tornar especialista (sou cirurgião, por isso tenho a especialidade de Cirurgia Geral), tinha de apresentar um relatório de toda a atividade que fui desenvolvendo durante os 6 anos de internato. Estamos a falar de um documento com cerca de 300 páginas (isto sem contar com os anexos com cerca de 500 páginas!), que foi sendo preparado ao longo dos 6 anos através de relatórios de atividades anuais. O que é facto é que sempre detestei fazer estes relatórios e, na minha cabeça, não via lógica em escrever um relatório sobre o que eu tinha feito, se toda a gente poderia constatar in loco como desenvolvia a minha atividade clínica. De tal forma, que fui sempre muito criticado pela fraca qualidade dos meus relatórios anuais. No final do internato, chegou, pois, a altura da grande decisão: tinha de fazer um relatório que demonstrasse verdadeiramente todo o meu esforço e dedicação no exercício da Medicina, em particular na Cirurgia.

Decidi, então, começar o relatório pelas dedicatórias e introdução. A minha tutora disse-me que não era assim que se fazia, que isso seria o último capítulo a ser escrito porque estava dependente do que iria escrever. Os meus colegas também me tentaram demover dessa ideia e aconselharam-me a dedicar-me afincadamente a trabalhar todos os outros capítulos do relatório. No entanto, eu precisava de escrever a introdução… Porque este relatório não seria feito para mim, nem para outros… Seria um relatório em que dedicaria tudo o que havia feito na minha vida clínica a Deus, Aquele que sempre me acompanhou neste percurso.

Em frente ao computador, estas foram as primeiras palavras do meu relatório que escrevi: “Ainda que eu tenha o dom da profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência, ainda que eu tenha tão grande fé que transporte montanhas, se não tiver amor, nada sou” (1ª Carta de S. Paulo aos Coríntios). E era mesmo isto que eu sentia e era exatamente por isso que iria escrever o relatório. Os três elementos do júri do meu exame foram unânimes: quando começaram a ler o relatório acharam que a introdução seria só um belo texto cheio de coisas bonitas e de folclore para chamar a atenção; no entanto, depois de lido o relatório, conseguiram perceber claramente que as palavras escolhidas eram verdadeiramente sentidas e que era possível sentir o Amor de que falava na forma cuidada e sincera como o relatório foi redigido.
Sem medo, deixei Deus entrar na minha vida e disse claramente ao mundo que era por Ele que vivia. Quando fazemos isso, é impossível que as pessoas não se sintam igualmente tocadas pelo Amor de Deus. Daí que tenha terminado o meu relatório com a seguinte frase, que, aliás, é a frase que apresento em todos os meus curricula vitae: “Se queres fazer-te bom, pratica apenas três coisas e tudo correrá bem: alegria, estudo e piedade” (Dom Bosco).

De facto, o discernimento não implica termos de fazer coisas extraordinárias que mudam o mundo de uma forma súbita e marcante… Passa, por outro lado, por fazermos as coisas simples do nosso dia-a-dia de forma extraordinária, com muita Alegria, com muito fervor e com o coração cheio de Amor. Convido-vos, pois, a fazerem este caminho… A procurarem na vossa vida todos os belos momentos em que Deus vos deixou uma marca; a interpretarem os sinais de Deus na vossa vida; a escolherem de forma determinada o caminho de Deus e serem portadores do Seu Amor a todos os que vos estão próximos.

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