Ucrânia: “O dia em que Cristo desceu ao abrigo”

Nos primeiros dias da guerra os ucranianos procuraram defender o património das cidades. O jornalista Pedro Cruz e o fotojornalista André Luís Alves testemunharam “O dia em que Cristo desceu ao abrigo”.

Nos primeiros dias da guerra – que já contabiliza quase um mês e meio de mortes, destruição e sofrimento, – as autoridades ucranianas procuraram defender o património. Em Lviv, o município pôs de pé uma operação em “contra-relógio” para proteger o maior número possível de estátuas, vitrais de igrejas, pequenos monumentos, arquivos e obras de arte em geral com andaimes, madeiras, “fibra de vidro, lã de rocha e plástico”.

Os enviados do Diário de Notícias à Ucrânia, o jornalista Pedro Cruz e o fotojornalista André Luís Alves testemunharam em Lviv a retirada da estátua do século XV de Cristo Crucificado da Igreja Cristã Ortodoxa Arménia. 

«No momento em que a estátua, em tamanho real, de um Cristo do século XV, com feições pouco judaicas, que repousa num altar exterior na igreja Cristã Ortodoxa Arménia de Lviv, abrigada dos elementos por um cenáculo de madeira, deixou o seu pouso de há vários séculos, os operários, que passaram mais de uma hora a tentar libertá-la, pousaram delicadamente o corpo esculpido em madeira maciça na tábua que o esperava, no solo.

E fez-se um silêncio reverencial e estranho.

Depois de uma hora com cordas, serras, martelo e outras ferramentas, e usando a força de braços, o improviso e o equilíbrio, talvez apenas esperassem o fim da tarefa. Mas cerca de 20 pessoas que estavam no pátio da Igreja Ortodoxa Arménia entreolharam-se, sem dizer palavra. Como se se tratasse de um momento solene, como se aquela imagem em madeira tivesse quase vida. Ou como se os que ali estavam, por um momento, tivessem recuado 2022 anos e estivessem a assistir à mais improvável recriação bíblica. Tal como nas escrituras, os homens retiraram Cristo da cruz e, julgando-o morto, depositaram-no num túmulo. O Cristo de madeira também vai ser colocado debaixo do chão, numa cave que lhe servirá de abrigo enquanto a guerra não acabar. Um dia, tal como está escrito nas escrituras, há de deixar o bunker e regressar à “vida normal”, repousando dentro do seu cenáculo de madeira no pátio onde rezam os ortodoxos arménios do oeste da Ucrânia».

Cruz, por Nuno Camelo
Nuno Miguel Sobral Camelo é natural de Évora, tem 45 anos, casado, pai de dois filhos, licenciado em Geografia – Planeamento e gestão do território, pela Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, com Pós-Graduação em Gestão do Território e Urbanismo e com uma Pós-Graduação em Pastoral Juvenil pela Universidade Católica Portuguesa.
Por nomeação episcopal é responsável pelo COD Évora, Comité Organizador Diocesano. Tem uma vasta ligação à área da Pastoral Juvenil, responsável pelo Departamento de Relações Internacionais da Região de Évora do Corpo Nacional de Escutas e é Salesiano Cooperador.
O áudio é um texto da sua autoria propositadamente escrito sobre o mistério pessoal da Cruz, aquando da realização da Vigília dos Símbolos JMJ em Évora, declamado para 400 pessoas, junto da Cruz Peregrina e do Ícone de Nossa Senhora, na igreja de S. Francisco.

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