Entrevista ao Pe. Filiberto González

O Boletim Salesiano entrevistou o responsável máximo pela Comunicação Social da Congregação Salesiana. O Pe. Filiberto defende a presença dos Salesianos nos pátios das escolas e nas redes sociais.

Na competição entre a família, a escola e o resto do mundo – a PlayStation, os smartphones, os tablets e todo o mundo da internet, já se sabe quem fica a perder. 

É dever dos educadores assumir estas novas formas de comunicar. «As modernas tecnologias e o mundo digital são uma realidade inegável. Já não são opcionais nem se discutem», defende Filiberto González. 

Os desafios que este “admirável mundo novo” levanta aos educadores, não sendo fáceis, são aliciantes, pois neles se joga o futuro dos jovens.

É o responsável máximo na Congregação Salesiana pela Comunicação Social (CS). A pergunta é muito simples: a sua vida sempre se movimentou neste campo? E a sua formação académica tem a ver com esta área?

Pe. Filiberto González – Tive a formação salesiana normal e também estudei pedagogia no meu país. O Reitor-Mor emérito, Pe. Pascoal Chávez, quando era meu provincial, enviou-me a estudar Ciências da Comunicação na UPS, em Roma. Sempre gostei de promover diversas expressões de comunicação pastoral salesiana como a música, a pintura, a escrita, o canto, que facilitam criação de ambientes educativos juvenis.

Há muitos salesianos formados nestas áreas tecnológicas? Dirigem organismos com capacidade de influência no mundo juvenil?

Em todas as Províncias temos algum salesiano preparado em CS, mas não em número suficiente dada a importância da CS para Dom Bosco, para os jovens e para a sociedade. Nem todos trabalham a tempo inteiro, pois dedicam tempo a outras atividades e responsabilidades pastorais. A maioria deles animam e coordenam equipas de CS nas suas Províncias em áreas como a formação, a informação, a imprensa, a rádio, a produção musical, o desenho, a arte, as redes sociais, etc.

Já alguma vez imaginou Dom Bosco diante de um computador? Por exemplo, como designer gráfico a conceber posters para encontros juvenis? 

Na verdade não o tinha imaginado até que vi, há alguns anos, uma foto clássica de Dom Bosco que, em vez do breviário nas mãos, tinha um iPad. Encantou-me porque creio que Dom Bosco, homem de Deus, usaria essa ferramenta para aceder ao breviário, à Bíblia e a toda uma biblioteca de documentos eclesiais. A sua criatividade educativa e pastoral chegaria pelas novas tecnologias a milhares de jovens. 

E já agora, quem seria hoje o adolescente João Bosco, se tivesse acesso à Internet, e possuísse smartphones, tablets, telemóvel e outros equipamentos de última geração? É possível desenhar a sua personalidade? 

O objetivo de João Bosco desde pequeno foi muito claro: ganhar pequenos e grandes para Deus. Para isso na sua época valeu-se de cordas, magia, desporto, narração de histórias, repetição de sermões, instrumentos musicais, coros e representações teatrais. Na nossa época servir-se-ia disso e das novas tecnologias. Seria um adolescente apaixonado por Deus, líder, alegre, sociável, criativo, comunicativo, bom amigo, perito navegador na rede, capaz, prudente e com equilíbrio no momento de usar as redes sociais e todo o tipo de aplicações.

Ainda nesta perspetiva, pensemos em alguns elementos familiares tão caros a João Bosco: como seria o seu relacionamento com a sua mãe, camponesa, por certo, info-excluída? Como reagiria o irmão António face aos conhecimentos informáticos de João Bosco? 

A relação com a sua mãe seria muito filial, carinhosa e respeitosa, consciente de que a pessoa é sempre mais importante do que todas as tecnologias. Nenhum smartphone, tablet ou aplicação, substituirá o amor, o abraço e o beijo de uma mãe, nunca! Penso que Mãe Margarida também usaria o computador ou o tablet. A minha mãe, de 80 anos, também camponesa e com escolaridade elementar, comunicava todos os dias comigo por Skype! O amor é criativo e não tem limites. Por outro lado, creio que João Bosco e o seu irmão António usariam as tecnologias e a internet, mas com objetivos, conteúdos, tempos e modos diversos.

Trocaria João Bosco, as habilidades de saltimbanco e de mágico por um qualquer chat para conquistar colegas para Deus? É capaz de imaginar? 

Ambas as coisas seriam muito importantes para Dom Bosco. Não se excluem uma à outra e combinariam muito bem. No entanto com toda a certeza preferiria a que lhe ajudasse a ganhar mais almas para Deus, a que lhe permitisse estar sempre entre os jovens. No fim da sua vida fazia-o através das suas cartas, por exemplo aquela tão bela que em 10 de maio de 1884 escreveu de Roma!

Já nos falou de como entrou na área da informática e da sua formação académica. Gostava agora de saber de onde é natural, onde fez os primeiros estudos e como nasceu a sua vocação salesiana sacerdotal. 

Nasci numa localidade de Jalisco, México, onde as famílias são muito unidas e a fé católica é muito forte. A minha primeira escolaridade fi-la numa escola pública que ficava em frente da casa de meus pais e a cem metros ficavam a igreja, o oratório e o aspirantado dos salesianos. Ali conheci Dom Bosco e os salesianos aos seis anos, jogando, rezando, passeando e celebrando a missa como acólito com eles. Tornaram muito feliz a minha vida de criança. Também conheci o olhar profundo de Dom Bosco e o seu sorriso amável. Senti que me olhava e sorria para mim! E desde então conquistou o meu coração. Os meus pais adivinharam desde o primeiro momento. Por outro lado eu não sabia o que significava ser salesiano, só sentia que eles olhavam para mim e me sorriam com o mesmo carinho de Dom Bosco. Por isso, e desde então, quis ser como os salesianos que conheci no oratório, na igreja e no aspirantado. Entrei para o aspirantado pouco depois de fazer doze anos… e aqui estou graças a Deus e a Maria Auxiliadora!

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Certamente os leitores gostarão de saber como se chega a Conselheiro Geral de uma Congregação religiosa espalhada pelos quatro cantos do mundo. 

Na minha vida nunca imaginei que seria Conselheiro Geral da Congregação Salesiana. Creio que tudo é graça de Deus que nos escolhe para o que Ele quer. Estive nos Capítulos Gerais de 1996 e de 2008 e, neste último, sendo eu Provincial de Guadalajara – México, elegeram-me pela primeira vez. No Capítulo Geral de 2014 fui reeleito para o mesmo serviço por mais um sexénio. Pertenço ao Conselho Geral. Formamos uma grande Equipa de irmãos ao serviço da Congregação sob a chefia do Reitor-Mor. O nosso trabalho é sempre em equipa, não tem sentido fazê-lo sós e separados. Todos damos o melhor de nós mesmos para a glória de Deus e salvação dos jovens. Temos quatro meses, e alguns de nós cinco, de reuniões por ano em Roma. O resto do tempo dedicamo-lo a visitar obras e a encontrar-nos com salesianos e jovens de 132 países do mundo onde se encontra a Congregação.

Está no seu segundo mandato. Já tem certamente uma visão de conjunto sobre o desenvolvimento da Congregação nas plataformas digitais. Neste campo como está a Congregação a nível mundial? Gostaríamos de o ouvir. 

A Congregação é uma realidade muito bela, muito grande e muito complexa. É uma entidade dinâmica e variada marcada pela história, pela cultura e pelas capacidades económicas de cada lugar. Há Províncias muito avançadas no campo digital e outras que vão entrando nele de forma lenta, mas todas as Províncias estão convencidas de que as plataformas e tecnologias digitais são ferramentas indispensáveis para o futuro dos jovens.

Nesta área joga-se realmente o futuro das novas gerações? 

As novas tecnologias, a internet, o mundo digital são uma realidade inegável. Já não são opcionais nem se discutem. A sociedade, a ciência, o comércio, as comunicações e até o ensino escolar, praticamente, dependem delas.

É mesmo verdade que este mundo virtual vai, progressivamente, confundindo os seus limites com o mundo real no quotidiano de crianças e jovens? 

O mundo virtual e o mundo material fazem parte de uma mesma realidade humana marcada pelo tempo, pelo espaço, pela relação e pela busca de sentido, vividos e partilhados com Deus e com os demais. Nenhum desses dois mundos deve perder estas dimensões centradas na pessoa. Os adolescentes e jovens ultrapassam os limites porque não há pais nem educadores que lhes ensinem e os acompanhem enquanto aprendem a distingui-los. Por vezes os adultos têm de ser educados e acompanhados neste campo! Também eles se confundem!

Diz-se que o computador desempenha o papel de confidente e de melhor amigo, pois através dele pode chegar-se a tantos. 
A pergunta que lhe faço é a seguinte: o método preventivo de Dom Bosco, que assenta na educação personalizada, tem aqui um concorrente sério e difícil de vencer? 

O Sistema Preventivo, como espiritualidade e pedagogia, tem o seu fundamento na qualidade das relações pessoais com Deus e com os outros, impregnadas de razão, de fé e de amabilidade. Estes critérios fizeram com que a “presença” de Dom Bosco fosse “personalizada”, embora não estivesse fisicamente “presente”. Portanto o computador ou a internet não são um inimigo ou um opositor a vencer, mas outro espaço cultural, social e pastoral povoado pelos jovens onde podemos interagir com eles. Penso que quem tem qualidade de relações nos pátios físicos como o campo de recreio, os passeios, a sala de aula, a capela, o autocarro, o desporto, a rua, a festa, etc., também terá qualidade de relações através da rede. 
Não é só a presença física que faz com que alguma coisa seja pessoal, mas o modo significativo de estar presente na vida das pessoas, dos jovens.

Que armas têm os educadores para se oporem ao uso doentio do computador por parte das crianças, adolescentes e jovens que fazem dele um novo ego corporal?

A primeira coisa é torná-los conscientes de que as novas tecnologias e a rede não são nem más nem boas, são apenas meios à disposição das pessoas; a segunda é ensinar-lhes a assumir a responsabilidade das suas escolhas, decisões, ações, do uso que delas fazem; depois, estar sempre próximo e acompanhar com respeito, diálogo, confiança, amizade e, quando for necessário, com disciplina e autoridade paterna; finalmente, criar momentos e ambientes de alegria familiar e escolar que sejam significativos para que consigam “desligar-se da tecnologia e dos que estão longe”, “para sintonizar com os que estão perto”.

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Os salesianos trabalham em campos aparentemente opostos: a população alfabetizada digital que já nasceu e cresceu com o computador em sua casa e a analfabeta que porventura nem sequer conhece um computador. 
O que fazem os salesianos para aproximar estes dois mundos?

O Capítulo Geral 26 dos salesianos, consciente deste abismo digital, propôs duas coisas: por um lado utilizar e promover o sistema Free Open Source Software, por ser ético, evangélico, educativo e económico; por outro lado promover o protagonismo juvenil através dos meios de comunicação populares como teatro, dança, canto, música, pintura, narração, jornais, revistas e rádios comunitárias, etc. Ambas as propostas são de um grande valor educativo salesiano.

Gostaria de abordar uma outra temática: a pós-modernidade. Esta nova “cultura” provoca um vazio profundo nos jovens. O Movimento Juvenil Salesiano é um bom antídoto a esta nova forma de estar? Consegue preencher o coração dos jovens? 

Pós-modernidade é um termo sumamente complexo que faz referência, dito de modo muito simples, à história, à filosofia e à arte. Promove entre outras coisas, um pensamento híbrido, o nivelamento da autoridade e da hierarquia, a desconfiança em relação aos grandes relatos e verdades, portanto o relativismo. Esta realidade reflete-se nos jovens, mas é experimentada por muitos deles numa espécie de sem-sentido e de vazio inexplicável. Aproximamo-nos deles nessa situação pessoalmente, com a educação e com o Movimento Juvenil Salesiano.

Há quem diga que muitos destes movimentos oferecem propostas de espiritualidade desligadas da realidade propondo uma espiritualidade horizontal e “light”. Até que ponto são verdadeiras estas “acusações”?

No meio de uma realidade como esta, o Movimento Juvenil Salesiano oferece a espiritualidade do quotidiano, quer dizer: o encontro com Deus como referente absoluto na pessoa de Jesus Cristo, da alegria do seu Evangelho e dos Sacramentos; o encontro com os outros através da amizade e da responsabilidade de criar grupo e formar Igreja; a experiência de doação através do apostolado e do compromisso social nas missões e entre os mais pobres; a festa como uma atitude constante que agradece e valoriza, acima de tudo, a própria vida e a dos outros.

A proposta evangélica possui energia suficiente para dar sentido à vida. Por que razão os jovens estão tão afastados da Igreja? O Papa Francisco chamou a atenção aos Bispos Portugueses para a “debandada da juventude” da Igreja. 

Jesus Cristo e o seu Evangelho continuam a atrair e a dar sentido à vida dos jovens, tanto assim que gritam: “Cristo sim, Igreja não”! Afastam-se da Igreja pela falta de autenticidade e de testemunho de alguns bispos, sacerdotes e religiosos. Os jovens afastaram-se de um certo tipo de Igreja porque essa Igreja se afastou deles. Um setor da Igreja hierárquica preferiu ser instituição que julga e administra, que ensina e cumpre ritos, que espera comodamente que venham ter com ela, em vez de ser mãe que ama, que sai do templo, que busca e que humildemente acompanha nos sofrimentos e fadigas de cada dia os jovens. O Papa Francisco convida-nos continuamente a que sejamos uma Igreja em saída e missionária, uma Igreja pobre e serva, sempre misericordiosa com todos, especialmente com os jovens, embora não pensem nem sintam como nós!

Por que razão no ocidente a escassez de vocações religiosas é cada vez mais alarmante? 

À primeira vista, a escassez de vocações deve-se à baixa natalidade, à grande variedade de opções de vida que agora se tem e que antes não havia, e à mudança na escala de valores. Mas vejo também outra razão mais profunda: grande parte da sociedade renunciou ao Deus e Pai de Jesus, quer excluir o Evangelho das suas raízes, da sua cultura e da sua história para se refazer a si mesma sem ele, para se fazer ao seu próprio gosto e à sua própria medida. A criatura pretende tomar o lugar do Criador. Numa sociedade como esta perde-se o interesse por escutar e servir a Deus, vive-se na autocomplacência e no narcisismo. A vocação dos consagrados nasce de Deus e expressa-se na entrega generosa da própria vida aos outros, sem outra recompensa senão Deus mesmo. Numa sociedade hedonista e narcisista pensar que Deus chama uma pessoa, que Jesus convida a segui-l’O pelo caminho da renúncia a tudo para que Ele seja “o seu tudo”, torna-se cada vez mais difícil.

Para concluir peço-lhe uma dupla palavra de esperança: para aqueles jovens que andam perdidos e para os que desejam perseverar no caminho do bem. 

Aos que se sentem perdidos e sem rumo, e também aos que se mantêm firmes e perseverantes na fé, asseguro-lhes que Deus os ama infinitamente e que nada nem ninguém poderá separá-los do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus, seu Filho.

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