A Ciência: o bom vizinho que acende a luz

Desde 2001, a UNESCO e as Nações Unidas assinalam a 10 de novembro, o Dia Mundial da Ciência pela Paz e pelo Desenvolvimento. Esta data lembra-nos que o conhecimento é um bem comum e que a sua melhor expressão se mede pelo cuidado que inspira e pelo impacto que deixa nas pessoas e no planeta.

Vivemos tempos em que a confiança se tornou escassa: o ruído cresce, as certezas fáceis multiplicam-se e a desinformação ocupa espaço. A resposta não é gritar mais alto, mas abrir mais portas, com transparência nos dados, linguagem clara e verdadeira participação das comunidades nas decisões que as afetam.

Quando os investigadores partilham métodos e resultados, quando os serviços públicos explicam o “porquê” das medidas com base em evidência, quando as empresas testam produtos ou serviços antes de os escalar, passamos da teoria à prática. A ciência torna-se, então, uma verdadeira ferramenta de paz: substitui o medo pelo entendimento, o boato pela verificação e a rivalidade pela cooperação.

O Papa Francisco lembrou-nos, na sua mensagem para comemorar o 57.º Dia Mundial da Paz (2023), que “O progresso da ciência e da tecnologia deve ser caminho para a paz. Ambas manifestam o potencial criativo da inteligência humana e o seu valor relacional: são dons que, usados com sabedoria, podem promover a fraternidade e o bem comum.”

E esta é a estrada por onde devemos conduzir: usar o conhecimento como ponte, nunca como fronteira.

Paz, justiça e desenvolvimento sustentável: o mesmo horizonte

A ciência cumpre o seu propósito quando serve a vida. Paz, Justiça e Desenvolvimento Sustentável não são dimensões separadas; completam-se e reforçam-se.

A paz precisa de justiça, e a justiça só é duradoura quando existe sustentabilidade.

Cada estudo climático que ajuda a prevenir desastres, cada inovação que reduz desigualdades energéticas, cada política pública baseada em evidência é uma semente plantada nesse solo comum.

“A ciência deve estar ao serviço de uma sociedade pacífica e inclusiva, capaz de enfrentar os desafios globais com solidariedade e diálogo” – UNESCO (2014). Usar o conhecimento não é um exercício de poder, mas um ato de partilha e responsabilidade.

Uma Ciência que esteja ao serviço, ajuda-nos a decidir onde investir, como priorizar, quem incluir e quando corrigir. E depende de atitudes concretas:

• Partilhar dados com responsabilidade e transparência;
• Avaliar antes de crescer, prevenindo novos problemas;
• Cooperar além das fronteiras, mantendo pontes abertas;
• Comunicar com clareza e verdade;
• Criar tecnologia com propósito e inclusão.

A ciência não é neutra. Tem direção e tem intenção. E quando essa direção aponta ao bem comum, o conhecimento transforma-se em justiça, e a justiça, em paz duradoura.

Ciência com rosto humano: e como podemos agir?

A Helena, professora, começa a aula com uma pergunta, não com uma resposta. Ensina a confirmar fontes e a escutar com respeito. Os alunos aprendem a decidir com factos – e a paz cresce onde há clareza e diálogo.

O Ricardo, médico, organiza consultas e visitas domiciliárias com base em dados reais; evita filas e fala com as pessoas em linguagem simples – a paztambém é ter cuidado com previsibilidade.
A Margarida, autarca, propõe um plano, onde se prevê a criação de zonas verdes, a melhoria nas passadeiras e ajustes no trânsito, porque os dados mostram a preferência da população por novos espaços ao ar livre – desenvolvimento que não deixa ninguém para trás.

Mas a ciência não vive apenas em laboratórios nem em gabinetes. Vive em nós.
Quando confirmamos uma informação antes de partilhar, quando ajudamos alguém a usar uma aplicação digital, quando poupamos energia ou escolhemos andar a pé, fazemos parte desta corrente de paz.

Cuidar, cooperar, confiar

A ciência é um serviço ao bem comum, uma forma de transformar conhecimento em cuidado.
A paz não começa amanhã; começa hoje, nas escolhas de cada pessoa, nas decisões que se baseiam em evidência e nas comunidades que aprendem juntas.
Nasce quando inovamos com ética, quando participamos com espírito de cooperação e quando partilhamos o que sabemos com generosidade.

A ciência não é espetáculo nem dogma. É o bom vizinho que, discretamente, acende a luz das escadas para que todos possamos subir com segurança.

E é nesse gesto, simples, silencioso e solidário que aciência é um ato de esperança: ilumina o caminho comum, abre horizontes e recorda-nos que o futuro, se for partilhado, pode mesmo ser melhor para todos.

Referências bibliográficas

UNESCO (2001) – World Science Day for Peace and Development – Resolution adopted at the 31st General Conference

UNESCO (2014) – Science for Peace and Sustainable Development: Programme and Meeting Document

 United Nations (2025) – World Science Day for Peace and Development

Francisco, Papa (2023) – Mensagem para o 57.º Dia Mundial da Paz — “A inteligência artificial e a paz”

Ana Luísa Ferreira
Professora de Biologia – Salesianos do Estoril

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