No dia 25 de outubro comemoram-se 70 anos da chegada dos Salesianos à Ilha da Madeira, convidados para dirigir a Escola de Artes e Ofícios do Funchal, fundada pelo Pe. Laurindo Leal Pestana em 1921 para a formação dos rapazes pobres e órfãos da ilha.
“Posso morrer descansado. A minha obra está em boas mãos”. Podia começar com estas palavras do Padre Laurindo Leal Pestana a História destes 70 anos da presença dos Salesianos na Madeira. Ou então com o entusiasmo do primeiro cronista: “Ansiosos, os Salesianos, que tinham já o coração e o pensamento na rapaziada dessa ilha formosa, subiram ao varandim (…)”. Teriam, certamente, no peito, a proteção de Nossa Senhora Auxiliadora e, no pensamento, o ideal de Dom Bosco e a vontade imensa de instalar, na Ilha, a Pia Sociedade Salesiana que vinha “estender até à Madeira a sua valiosa ação educativa”, como escreve nesse dia 25 de outubro de 1950, o Diário de Notícias.
O Padre Laurindo que, na opinião do cronista, era “um herói (…) um homem de raras virtudes que fundou este colégio para albergue e escola dos mais necessitados”, entregava-lhes o fruto do trabalho da sua vida inteira. O amor que dedicara à juventude consubstanciava-se naquela obra dos rapazes que, a partir daquele momento, ficaria nas mãos dos salesianos.
A pobreza era muita. Faltava tudo na Escola do Padre Laurindo: dinheiro, alimentos, roupa, higiene e os salesianos perceberam, imediatamente, a dureza da tarefa que tinham aceitado. E perceberam que era preciso lançar mãos à obra e imprimir outro fôlego naquela obra construída com o amor de muitos. No dia 29 de outubro, o Padre Provincial lia a carta que declarava o padre José Maria Alves, o primeiro diretor.
Desde o primeiro dia, o espírito salesiano está presente: logo no dia seguinte ao da chegada, a oração da noite é salesiana, o Padre Diretor dá a primeira aula de canto, os miúdos são convidados a imitar São Domingos Sávio, cuja história ouvem contar, é organizado o Oratório que, a 12 de novembro, já tem a participação de 90 rapazes.
Em novembro do primeiro ano, os salesianos tomam conta das oficinas que, até ali, tinham sido orientadas pelos mestres, o ambiente altera-se, ao ponto de o cronista deixar o seguinte registo no dia 30 de novembro de 1950: “A casa parece já salesiana”.
E era-o de facto. Aos poucos, o espírito salesiano de Dom Bosco ia tomando conta dos rapazes, havia teatro e desporto a preencher o tempo livre. O Pe. Diretor começa a reger a banda que, entretanto, se formou. Era notória a preocupação de tornar as instalações mais confortáveis. Era preciso fazer obras nos dormitórios, no pátio, na cozinha, no refeitório. Era preciso transformar aquele lugar numa escola e não num albergue de correção. Era preciso tratar da formação daqueles rapazes que vinham da rua, do abandono. Era preciso transformá-los em homens capazes de mover o mundo.
Todos percebiam a importância daquela obra que havia de preparar o futuro. O sistema preventivo que Dom Bosco preconizara era posto em prática na Escola de Artes e Ofícios de Domingos Sávio. E a sociedade civil colaborava e ganhava confiança naqueles padres que queriam alterar o destino daqueles jovens.
Os salesianos ganham a estima da sociedade. Os olhos dos madeirenses pousam-se na transformação dos rapazes e os salesianos têm consciência do muito que há ainda a fazer, sobretudo com os jovens que dormiam no calhau.
Há muita procura pela escola. Chegam pedidos da ilha inteira para o internato, não obstante a falta de espaço e as grandes dificuldades que os salesianos enfrentam.
As oficinas estão cada vez mais compostas e vão fazendo trabalhos de marcenaria, de tipografia. A necessidade de ampliação da escola é cada vez maior. Partem pedidos do Bispo Auxiliar, do Governador Civil e de outras autoridades. A resposta – que é resultado de um sonho (de outro sonho, porque é dessa matéria que são feitas as grandes obras) resumia-se a “Quando tivermos uma casa grande…”
Havia a perceção de que o trabalho da escola visava elevar o nível da mocidade, ensinar-lhe um ofício, dotá-la de ferramentas capazes de elevar o nível moral, social, intelectual e económico da sociedade.
Ao longo destes primeiros anos, a esperança renovava-se, sempre que algum aluno chegava mais longe, sempre que os resultados escolares eram positivos, sempre que se melhoravam as oficinas ou sempre que algum dos rapazes se apaixonava pelo ideal de Dom Bosco. Foi por isso grande a alegria quando dois alunos seguiram para o aspirantado. Haviam de ser os primeiros padres salesianos madeirenses: o Pe. Clemente e o Pe. Eusébio.
Ao longo dos anos, vão chegando novos salesianos para trabalhar na Madeira. Ampliado, o edifício da Escola Salesiana atrai os olhares que se pousam na encosta; há cada vez mais procura pelo ensino diferenciado daquele estabelecimento que possibilitava, primeiro a aprendizagem de diversos ofícios que abriam portas no mercado de trabalho e, depois da Reforma de Veiga Simão, um ensino normal de qualidade. Em 1975, é confiada aos salesianos a Paróquia de Fátima e a missão dos salesianos alarga-se: para além da escola, há a vida paroquial, a catequese, um Lar de dia…
A escola desdobra-se em atividades: o Desporto assume um lugar privilegiado na forma de educar dos Salesianos. Dentro do Centro de Antigos Alunos (inaugurado em julho de 1957), foi criado o Juventude Atlântico Clube que, ao longo de anos, foi ganhando espaço no Desporto Madeirense: em 1966, por exemplo, o clube dos Salesianos foi Campeão da Madeira, em futebol; ganhou por várias vezes, o Campeonato Regional da Segunda Divisão e desempenhou um papel muito importante em modalidades como hóquei em patins, voleibol, atletismo, ténis de mesa e xadrez (tendo aqui o Padre Vieira, um papel fundamental) …
Ao longo da História dos Salesianos na Ilha da Madeira, foi sendo necessário responder aos novos desafios dos tempos, ao aumento do número de alunos, às novas necessidades: um pavilhão gimnodesportivo, instalações mais amplas e mais modernas, introdução de raparigas num universo que era só de rapazes, uma piscina.
Na realidade, ao longo destes 70 anos, o ideal de Dom Bosco, que preside a esta casa, tem exigido criatividade, atualização, espírito crítico, coragem, a aposta num projeto educativo de qualidade que tem em vista o futuro dos jovens e a transformação da sociedade.
No ano 2000, altura em que se celebrou o cinquentenário dos salesianos na Madeira, a Escola Salesiana tinha mil e cem alunos. Nesse ano de festa, foi emitida uma medalha comemorativa, publicado um livro e realizadas muitas atividades para assinalar a data: exposições, espetáculos e, sobretudo, a 9.ª edição dos Jogos Nacionais Salesianos que promoveu, na Madeira, o encontro de 1.000 atletas provenientes das 14 escolas salesianas do continente.
No ano seguinte a Escola Salesiana de Artes e Ofícios do Funchal recebia a Medalha de Honra da Cidade, pela obra educacional desenvolvida pelos Salesianos de Dom Bosco.
O trabalho educativo e pastoral continuou a ser desenvolvido e reconhecido por toda a comunidade. Aprender e ensinar apoiam-se numa estrutura funcional e acolhedora que ajuda a criar relações, confiança, a comunicar afetos, a encontrar soluções para o tempo de férias dos alunos, a propor projetos de vida.
Nos salesianos, ensina-se os alunos a construir a própria História, a ajudar a sociedade nos momentos mais difíceis, como foi o caso (talvez um dos mais marcantes) da aluvião de 20 de fevereiro de 2010, em que o projeto “Uma Casa na Madeira” toma corpo e a Casa construída pelos Salesianos é entregue a uma família de seis pessoas, vítima dos temporais, no dia 24 de maio de 2011, dia de Nossa Senhora Auxiliadora, uma ação que envolveu o país inteiro.
Em 2012, já como Fundação Salesianos, é inaugurada a Escola Desportiva Mais Salesianos do Funchal, patrocinada pela Fundação Real Madrid, que, com a ajuda de voluntários, proporciona, gratuitamente uma série de atividades a jovens que, de outro modo, não poderiam usufruir de desporto, de artes, mas também de apoio escolar, de treino de competência de estudo, de terapia de fala, entre outros. Esta é outra plataforma de educação e de evangelização, através de um Centro Juvenil que proporcionou espetáculos de grande nível.
Estes têm sido 70 anos dedicados à Região, à educação, à juventude, à promoção integral da pessoa, com base nos valores cristãos. Em janeiro de 2020, relançou-se a figura do Padre Laurindo, com a publicação do livro, “O Pai Laurindo”, um concurso sobre a vida e obra deste homem que trabalhou para a promoção da juventude madeirense do princípio do século XX e um torneio de futebol. Por vezes, é necessário ir à fonte, para que não se deixe morrer a memória e, em outubro, celebraremos esse dia em que os Salesianos chegaram à Ilha da Madeira.
No horizonte, porque o “sonho comanda a vida”, a celebração das Bodas de Diamante. Será outro momento de gratidão: dos salesianos à terra que tão bem os recebeu, da sociedade madeirense que vê na Fundação Salesianos (a Escola Salesiana de Artes e Ofícios, como continua a ser conhecida) uma referência na formação da juventude.
Fotografias: Arquivo dos Salesianos do Funchal e Arquivo da Província Portuguesa da Sociedade Salesiana
Publicado no Boletim Salesiano n.º 582 de Setembro/Outubro de 2020