Caro José, revivo a tarde em que tu simplesmente esperavas. Lembras-te? Tudo vivia e morria naquela esperança com sabor a oração.
Puxaste-me a mão, apertaste-a com uma força que não era tua e disseste-me ao ouvido que te sentias pertinho de Deus. O sufoco da incerteza, a possibilidade de venceres o peso que teimava em esmagar-te, ou simplesmente o princípio. Do fim.
Da tua cama vias o rio e o céu. Uma enorme janela oferecia-te um paraíso temporariamente abandonado, para onde desejavas ardentemente voltar. E voltaste, José. E voltaste.
Hoje releio e partilho notas que escrevi ao teu lado, enquanto te ausentavas no azul que vivia lá fora, ao ponto de te confundires com ele. Sem ter tempo para se esconder, a dor que morava em ti, já nua, foi surpreendida pela claridade. Surgiram mensagens vindas da tua alma. Quem sabia ler, leu. Vi a tua lágrima. Não sei desenhar. Escrevi assim, José:
A lágrima surge trémula e frágil, no seu estado líquido. Ainda doce e quente, escorre lentamente, deixando que pedacinhos de si se abriguem na tua pele. Na tua pele, José. Na tua pele sedenta. E tu sentes. Sentes esse rio imenso de uma gotinha que saiu de dentro de ti, do cantinho de um dos teus olhos, e que se demora tranquilamente. Em ti. Para ti. E tu deixas, porque é bom. Os teus dedos, impotentes, permanecem imóveis, porque não ousam perturbar uma lágrima que desliza pelas veredas esculpidas no teu rosto. Um simples movimento poderia interromper o percurso dessa gotinha frágil, mas tu não deixas porque já conheceste o sabor e o poder de outras lágrimas.
Acompanhas a fragilidade da gotinha no seu deslizar hesitante e morno. Ficas imóvel, num momento de espera, de aceitação, respeitando a decisão de uma lágrima. Sabes que um pequeno movimento pode ser fatal. Sabes ainda que a tua imobilidade é sinónimo do enorme desejo de que ela permaneça em ti. No entanto, seria um crime perturbar a sua liberdade. Nasce da tristeza, da dor e da incerteza; revela-se frágil e poderosa, adormece quase alegria, e assim decide morar em ti. Para sempre, José.
Aos poucos percebes a sua decisão. Os teus olhos luminosos são dois poemas de silêncio. Esse segredo quase dor que agora mora em ti, é o rio a transbordar, a inundar-te, a falar-te ao ouvido porque tu o desejas muito escutar, José. É a outra face da lágrima. É o teu coração ao relento, alimentado com aquilo que não se sabe dizer. Poderás vir a sentir necessidade de interrogar essa lágrima. Poderá responder ou não, dependendo do teu desejo. Poderá dar-te de beber, mas dependerá sempre do tamanho e do poder da tua sede.
* Diretor Pedagógico dos Salesianos de Lisboa
Ilustração: Sónia Borges

Publicado no Boletim Salesiano n.º 609 de maio/junho de 2025
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