Porque a Igreja tem leis

No nosso primeiro texto tentamos explicar como a Igreja faz as suas leis. Queremos agora ajudar a entender o porquê. A resposta parece clara: tudo só se mantêm vivo quando têm uma forma e uma determinada ordem. Um amor sem promessa, um jogo sem regras, uma comunidade sem acordos… acabam simplesmente por se desfazer. Na Igreja, acontece o mesmo.

Antes da Sua paixão e ressurreição, Jesus na última ceia fez o mais belo discurso sobre o amor jamais feito. Nele, o Mestre não disse apenas aos discípulos “Amai”, mas “Permanecei no meu amor” (Jo 15,9). O amor cristão é mais do que uma emoção: é permanência, fidelidade, forma de vida. A Igreja, corpo de Cristo, organiza-se para permanecer no amor recebido, e as suas leis são expressão concreta dessa fidelidade. Elas servem para manter unido o corpo, guardar o dom e sustentar a comunhão.

As leis da Igreja existem, então, para que a fé se torne comunhão e a comunhão se torne visível. A Igreja não é apenas uma realidade espiritual: é também um povo concreto, com rostos, ministérios e relações. O cânone 205 do CIC descreve essa comunhão através de três vínculos inseparáveis: “Estão em plena comunhão com a Igreja católica aqueles que estão unidos a Cristo pelos vínculos da profissão de fé, dos sacramentos e do governo eclesiástico.”

Estes três vínculos são também os três eixos do Direito Canónico. A Profissão de fé: as leis protegem a integridade do que cremos (c. 747 §1), para que a verdade seja proclamada sem confusão nem divisão; os Sacramentos: as leis asseguram que os sinais da graça sejam autênticos e reconhecidos (c. 841), para que o encontro com Cristo seja real; e o Governo: as leis ordenam a autoridade e o serviço (c. 129 §1), para que ninguém domine e todos possam servir.

Sem este tecido de regras, a comunhão seria apenas sentimento. Com ele, torna-se história concreta de fé vivida em conjunto. O Papa Francisco recordou bem que “a lei na Igreja é expressão de comunhão e instrumento para a sua construção” (Discurso à Rota Romana, 2020). Não é uma barreira ao Espírito, simplesmente impede a dispersão. Ela traduz a fidelidade, mostra o Evangelho vivido não em abstrações, mas em formas concretas, responsáveis e comprometidas.

Aos jovens que chegavam ao Oratório de Valdocco, Dom Bosco dizia que queria simplesmente que vivessem alegres e cumprissem o próprio dever. Dom Bosco sempre percebeu que, para que a alegria fosse verdadeira, exigia ordem, horários, regras simples. Sempre foi consciente que a alegria e a liberdade verdadeiras só sobrevivem quando têm uma estrutura. Foi assim que surgiu o “Regulamento do Oratório” que era, na verdade, um ato de amor pedagógico: queria que todos se sentissem protegidos e respeitados. As suas regras eram o Evangelho vivido em estilo salesiano: liberdade com responsabilidade, alegria com disciplina, amizade

com compromisso. Assim é também o direito na Igreja: uma forma de cuidar de todos, que protege e valoriza cada um.

Talvez penses que a fé é uma relação pessoal com Deus que não necessita de regras, mas pensa bem: o amor que vives na tua família, nas amizades, num grupo de jovens ou num namoro só se mantém vivo e feliz quando há respeito, promessas, responsabilidade e fidelidade. Sem forma, o amor morre cedo.

Na Igreja, o Direito Canónico ajuda a dar forma à fé que professas. É o que garante que o teu batismo te insere realmente numa comunidade (c. 96), que os sacramentos têm a mesma força em qualquer lugar do mundo (c. 841), que há critérios justos para decidir, ensinar e servir. Sem estas estruturas, a Igreja seria um ideal vago e não um corpo vivo. Há leis que te tocam por dentro: as promessas que fazes, os compromissos que assumes, a coerência entre o que crês e o que vives. Voltemos ao início e recorda o que te pede Jesus no Evangelho: um amor que permanece, não que passe.

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