O Sonho dos Nove Anos de D. Bosco

Aos nove anos, o pequeno João Bosco teve um sonho que marcaria, sem ele perceber na altura, o início da sua, e por consequência da nossa, missão. Daquele sonho nasceram milhares de sonhos, e desses, muitos outros milhões.

O P. Pascual Chávez, antigo Reitor-Mor dos Salesianos, referindo-se ao sonho dos nove anos, escreveu que “um sonho que é memória e profecia, recordação do passado e projeção de futuro”. Olhando para os últimos duzentos anos percebemos que Dom Bosco soube “dar vida” àquele sonho, cumprindo aquilo que Nossa Senhora lhe pediu.

No livro “Memórias do Oratório”, Dom Bosco descreve pormenorizadamente cada detalhe do sonho:

Naquela idade tive um sonho, que me ficou profundamente gravado na mente por toda a vida. Parecia-me estar ao pé de casa num pátio bastante espaçoso, onde se encontrava uma multidão de rapazes, que se divertiam. Alguns riam, outros jogavam, outros blasfemavam. Ao ouvir aquelas blasfémias, lancei-me imediatamente no meio deles dando murros e dizendo palavras para os fazer calar. Naquele momento apareceu um homem venerando, em idade viril, nobremente vestido. Um manto branco cobria-o por completo; mas a sua face era tão luminosa, que eu não conseguia fixá-lo com os olhos. Chamou-me pelo nome e mandou-me pôr-me à frente daqueles rapazes acrescentando estas palavras: “Não com pancadas, mas com a mansidão e com a caridade é que deverás conquistar estes teus amigos. Por isso começa imediatamente a instruí-los sobre a fealdade do pecado e sobre a beleza da virtude”.
Confuso e assustado, disse que eu era um pobre e ignorante rapaz, incapaz de falar de religião àqueles jovenzinhos. Naquele momento, aqueles rapazes cessando rixas, alarido e blasfémias, reuniram-se todos à volta d’Aquele que falava.
Quase sem saber o que dizia, “Quem sois vós, – perguntei –, que me ordenais coisas impossíveis?”. “Exatamente por te parecerem impossíveis, deves torná-las possíveis com a obediência e com a aquisição da ciência”. “Onde, com que meios poderei adquirir a ciência?”. “Dar-te-ei a mestra sob cuja guia podes tornar-te sábio, e sem a qual toda a sabedoria se torna estultícia”.
− Mas quem sois vós, que falais deste modo?
− Eu sou o filho d’Aquela que a tua mãe te ensinou a saudar três vezes ao dia.
− A minha mãe diz-me que não ande com pessoas que não conheço, sem licença sua; por isso dizei-me o vosso nome.
− O meu nome pergunta-o à minha mãe.
Naquele momento vi a seu lado uma senhora de majestoso aspeto, vestindo um manto todo resplandecente, como se cada ponto seu fosse uma estrela fulgidíssima. Vendo-me cada vez mais confuso nas minhas perguntas e respostas, fez-me sinal para me aproximar dela e, tomando-me com bondade pela mão, disse-me: “olha”. Olhando dei-me conta que os rapazes tinham fugido todos e, em vez deles, vi uma multidão de cabritos, cães, gatos, ursos e vários outros animais. “Eis o teu campo, eis onde deves trabalhar. Torna-te humilde, forte e robusto; e aquilo que neste momento vês suceder com estes animais, deverás fazê-lo com os meus filhos”.
Voltei então o olhar e eis que, em vez de animais ferozes, apareceram outros tantos mansos cordeiros que, todos a saltitar, corriam ao redor como para fazer festa àquele homem e àquela senhora.
Naquele momento, sempre em sonho, comecei a chorar, e supliquei àquela personagem que falasse de modo que eu compreendesse, dado que eu não sabia o significado daquilo. Então ela colocou a mão na minha cabeça, dizendo-me: “A seu tempo, tudo compreenderás”.
Dito isto, um ruído acordou-me e tudo desapareceu.
Fiquei atónito. Parecia-me ter as mãos doridas dos murros que tinha dado, e a cara a doer das bofetadas recebidas; depois aquele personagem, aquela senhora, as coisas ditas e ouvidas ocuparam–me de tal maneira a mente, que naquela noite não me foi possível voltar a adormecer.
De manhã, apressei-me a narrar cuidadosamente aquele sonho, primeiro aos meus irmãos, que se puseram a rir, depois à minha mãe e à avó. Cada qual dava ao mesmo a sua interpretação. O meu irmão José dizia: “Vais ser pastor de cabras, de ovelhas ou de outros animais”. A minha mãe: “Quem sabe se não serás padre”. António com dureza: “Talvez virás a ser chefe de bandidos”. Mas a avó, que sabia bastante teologia e era totalmente analfabeta, deu a sentença definitiva dizendo: “Não se deve ligar a sonhos”.
Eu era da opinião da minha avó, mas nunca mais me foi possível tirar aquele sonho da cabeça. O que passarei a expor de seguida dará algum significado a isto. Sempre calei tudo; os meus familiares não ligaram.

D. Bosco

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