Dom Bosco, embora nunca tenha partido como missionário ad gentes, manteve sempre no coração e na mente o desejo de levar o carisma salesiano além‑fronteiras e de partilhar o Evangelho com o mundo inteiro.
Essa aspiração reflete-se com nitidez nos seus cinco sonhos missionários. A seguir, apresentamos um breve resumo de cada um.
Primeiro sonho missionário: a Patagónia
(1872, em “Memórias Biográficas”, ed. Italiana vol. X, 61-62)
Pareceu-me encontrar-me numa região inóspita e totalmente desconhecida. Era uma imensa planície toda inculta, com montanhas no horizonte. Muito longe, viam-se multidões de homens poderosos quase nus, de aspecto feroz, vestidos com grandes mantos de peles de animais. Alguns caçavam animais selvagens, outros lutavam entre si, outros ainda lutavam contra soldados europeus. De repente, chegaram missionários de diversas Ordens para pregar o Evangelho, mas foram imediatamente capturados e mortos sem piedade. Eu perguntei: “Como é que essas pessoas podem converter-se?”. E outros missionários se aproximaram sorrindo: eram Salesianos! Então pensei em detê-los para evitar outro massacre, mas vi que foram bem recebidos, os habitantes baixaram as armas e começaram a ouvir os missionários. Então todos começaram a rezar o Rosário de joelhos e o canto a Maria ficou tão alto que acordei.
Segundo sonho missionário: a América do Sul
(1883, em “Memórias Biográficas” ed. italiana XVI, 305-316)
Muitos detalhes deste sonho revelaram-se proféticos e corresponderam aos trabalhos missionários realizados pelos Salesianos ao longo do tempo.
Parecia-me entrar numa sala onde havia muitas pessoas e ouvi que algumas delas falavam de missões estrangeiras, dos muitos povos ainda não evangelizados e da inércia dos missionários europeus em levar-lhes a mensagem evangélica. Não entendi onde estávamos e, de repente, apareceu um adolescente radiante, usando uma veste tecida com riquezas celestiais e um chapéu em forma de coroa, cravejado de pedras preciosas muito brilhantes. Chamou-me pelo nome, pegou-me pela mão e começou a falar-me da Congregação Salesiana, sem me dizer o seu nome. Eu o reconheci, era Luís, filho do Conde Fiorito Colle de Toulon, o nosso benfeitor, especialmente das missões na América. Este jovem havia morrido pouco tempo antes. Na sala havia uma mesa com uma corda enrolada, cheia de números e linhas, correspondentes aos graus geográficos de latitude. Convidado por Luís, puxei até o primeiro nó, no número 47, de onde partiam três pequenas cordas que se estendiam para leste, oeste e sul. “47+3+5=55”. Depois puxei para o outro lado até o número 10, além do qual havia água. E, de repente, vi uma terra sem fim com muitas ilhas, algumas povoadas por indígenas, outras desabitadas, outras ainda cobertas de neve ou gelo. “55+10=65”. A oeste vi montanhas muito altas, a Cordilheira dos Andes, a leste o mar, o Oceano Atlântico. Luís contou-me que as montanhas são a fronteira dentro da qual há muitas pessoas que esperam pelos Salesianos e pela fé em Jesus. Nesse momento chegou o Padre Lago que me entregou uma cesta de figos pequenos, verdes, ainda verdes, dizendo que eu deveria amadurecê-los, certificando-se que iria recolocá-los na planta. Ele mostrou-me como: pegou um figo e mergulhou-o primeiro numa uma jarra com sangue e depois noutra com água. Seria preciso suor e sangue para fazer aquelas pessoas voltarem à planta. Depois estávamos num comboio para ver o que aconteceria às futuras gerações salesianas e mostraram-me um mapa. À medida que o comboio avançava, aprendi muitas coisas olhando para esse mapa, ouvindo Luís e olhando pela janela: matas, montanhas, planícies, rios, percebendo de forma incrível cada pequeno detalhe. O comboio fez duas paragens no caminho e depois parou no Estreito de Magalhães, onde descemos, entre depósitos de carvão, tábuas, vigas, madeira, imensas pilhas de metal. “O que agora está planeado um dia será realidade. O que desperta admiração noutros lugares, será aqui tal maravilha que superará o que hoje surpreende todos os outros povos.”
Voltamos ao comboio para nos encontrarmos com os Salesianos na Patagónia e, assim que descemos, ninguém me reconheceu porque nunca me tinham visto pessoalmente. Aquelas pessoas nem conheciam os primeiros missionários porque já havia passado muito tempo e eles já tinham morrido; cena terrível: uma multidão de nativos com rostos deformados rodeava um homem prisioneiro, cativo, fazendo-lhe perguntas sobre as suas viagens. De repente, um dos nativos golpeou-o, cortando-lhe cabeça, e os outros correram até o cadáver para cozinhar a sua carne e comê-la. O comboio partiu de novo e cada vez que víamos pessoas, Luís repetia-me que esta era a colheita dos Salesianos, quando encontrávamos animais selvagens, dizia-me que os Salesianos os domesticariam.
Quase no fim da viagem, Luís explicou-me o roteiro que havíamos seguido: no mapa estava desenhada com precisão toda a América do Sul e tudo o que foi, tudo o que é, tudo o que estará nessas regiões, com tal lucidez que, num olhar, via -se tudo.
Acordei: o sonho durou a noite toda.
Terceiro sonho missionário: uma viagem aérea
(1885, em “Memórias Biográficas”, ed. italiana, vol. XVII, 299- 305)
Parecia-me acompanhar os missionários na sua viagem. Eles ficaram ao meu redor e pediram-me conselhos; sem saber como, vimo-nos quase imediatamente na América. No final da viagem estava sozinho no meio de uma vasta planície entre o Chile e a Argentina e fiquei maravilhado com os poucos salesianos presentes. Pareciam poucos, talvez porque estavam dispersos pelo território sem limites. As longas ruas e casas tinham uma aparência misteriosa e fantástica, enquanto os veículos viajavam no ar. Cada rua começava de uma presença salesiana e viam-se os missionários ocupados com o seu trabalho, mas numa rua só havia dois Salesianos. Apareceu então um personagem brilhante que me disse que estávamos na Mesopotâmia, coisa muito estranha porque estávamos na Patagónia. Continuando a olhar, vi com muita clareza todos os lugares onde há e haverá Salesianos, com as pessoas a serem evangelizadas. Os Salesianos estavam na fase de semear, mas os que vierem depois colherão: seremos fortalecidos por homens e mulheres que serão pregadores, os filhos serão os evangelizadores de seus pais e amigos. Os Salesianos conseguirão tudo com humildade, trabalho e temperança.
Pareceu-me, então, de voltar para Itália e vi Turim inteira sob meus pés. Havia um constante ir e vir para a América do Sul, de onde eu havia retornado repentinamente. No sonho passei do presente ao passado e ao futuro, conhecendo muitas pessoas e mudando de cenário. Dom Cagliero apareceu ao meu lado, com alguns missionários a uma certa distância. Muitos outros estavam ao meu redor, com um bom número de Salesianos Cooperadores. A vasta planície tornou-se um salão magnífico e difícil de descrever em tamanho e esplendor, cheio de mesas com elegantes toalhas e vasos cheios de flores, mas sem comida, bebida, pratos ou copos. Começaram a chegar pessoas vestidas de branco com uma faixa rosa, que se colocaram em volta de uma mesa cantando de alegria, seguidas de outros grupos, de todas as idades e culturas, que também se alegravam. Cada multidão que entrava era um povo que será convertido pelos missionários. Entre as mesas estavam muitas das nossas Irmãs e um grande número de Salesianos, sem qualquer sinal distintivo de serem padres, clérigos ou freiras; como os outros tinham vestes brancas e faixa cor de rosa. Havia também alguns indígenas que, depois de beberem o leite da palavra divina, tornaram-se, eles próprios, anunciadores da palavra de Deus. A sala estava cheia de gente, as cadeiras já não tinham um formato específico, mas assumiam a forma que cada um deseja- va: todos estavam felizes com o assento que ocupavam e com o assento que os outros ocupavam. Caiu o silêncio e os convidados começaram a cantar em diferentes coros, aos quais se somaram vozes do alto, formando uma sinfonia extraordinária. Achei que estava no Paraíso, mas Cagliero disse-me que era apenas uma figura simples e muito tênue do que realmente será o Paraíso.
Ao acordar, ficou-me impresso um pensamento para partilhar com Cagliero e com os meus queridos missionários: “Que todas as preocupações dos Salesianos e das Filhas de Maria Auxiliadora estejam voltadas para a promoção das vocações eclesiásticas e religiosas”.
Quarto sonho missionário: Ásia, África e Oceânia
(1885, em “Memórias Biográficas”, ed. italiana, vol. XVII)
Parecia-me estar diante de uma montanha muito alta, em cujo cume estava um anjo brilhante, e ao redor um vasto reino de gente desconhecida. O anjo erguia bem alto uma espada que brilhava como uma chama muito viva e apontava para mim as regiões circundantes. Ele me chamava para combater as batalhas do Senhor e reunir os povos em seus celeiros, e era cercado por outros anjos. Entendia a voz do anjo, mas não a dos povos ao redor da montanha, que falavam entre si em línguas desconhecidas. Via objetos separados e simultâneos, que transfiguravam o espetáculo diante de mim e fui elevado a uma altura imensa, como se estivesse acima das nuvens, rodeado por um espaço imenso. Muitos me acompanhavam e encorajavam, exortando os Salesianos a não se deterem no caminho. Parecia que estava na Mesopotâmia, depois na África num grande deserto com gente nua, e depois novamente na Austrália, um aglomerado de muitas ilhas, com uma multidão de crianças que tentavam vir na nossa direção, mas que eram impedidas pela distância e pelas águas que os separavam, pediam-nos para continuar o trabalho iniciado pelos nossos pais.
Parece-me que tudo isto indicava que a Providência divina oferecia aos Salesianos uma porção do campo evangélico, mas num tempo futuro. As suas fadigas produzirão frutos, porque a mão do Senhor estará constantemente com eles.
Quinto sonho missionário: de Valparaíso a Pequim
(1886, em “Memórias Biográficas” ed. Italiana, vol. XVIII)
Eu estava numa colina perto de Castelnuovo e via só uma mata espessa, coberta por uma quantidade incontável de pequenos cogumelos. Vi José Rossi, dono do lugar, muito sério, olhando para o vale, e não respondeu quando o chamei. Mesmo o Padre Rua, sentado, sério, não me respondeu. Então desci daquela colina e subi até outra, de cujo cume se avistava uma floresta, cultivada e atravessada por estradas e veredas. Ouvi o barulho de uma multidão incontável de crianças. “Nós o esperamos, nós o esperamos por muito tempo, mas finalmente está aqui: está entre nós e não vai fugir de nós! “
Sem entender muito, vi depois um imenso rebanho de cordeiros conduzido por uma pastora, que, tendo separado os jovens e as ovelhas, e colocado uns de um lado e os outros do outro, falou-me lembrando o Sonho dos Nove Anos, do qual não me lembrava naquele momento. Chamadas as crianças, ela perguntou-lhes e a mim o que estávamos a ver. Eu via montanhas, mares e morros, as crianças leram “Valparaíso. Santiago”. A pastora disse-me que a partir daí eu teria uma regra sobre o que os Salesianos fariam no futuro. Depois, virando-me para o outro lado, fez-me traçar uma linha visual. Ainda vi montanhas, mares e colinas, as crianças leram em coro: “Pequim”. Então ela fez-me traçar outra linha de uma ponta à outra, de Pequim a Santiago, fazendo um centro na África. Não compreendia como poderia fazer tudo isto: as distâcias eram imensas, os lugares difíceis e poucos os Salesianos. “Não se perturbe. Os seus filhos, os filhos de seus filhos e os filhos deles farão isso; mas permaneçam firmes na observância das Regras e no espírito da Pia Sociedade”. Puxando uma nova linha de Santiago para o centro da África, vi dez Centros. A pastora contou-me que esses dez Centros serão de estudantados e noviciados, fornecendo muitos missionários salesianos. Do outro lado, vi outros dez Centros, desde o centro da África até Pequim, que formarão missionários. “Ali está Hong Kong, lá Calcutá, mais além Madagáscar. Estes e muitos outros terão casas, estudantados e noviciados”. “Só há uma coisa a fazer: recomendar aos meus filhos que cultivem constantemente a virtude de Maria”. “E cuidado com o erro que existe agora, que é a mi tura dos que estudam as artes humanas com os que estudam as artes divinas, porque a ciência do céu não quer ser misturada com as coisas terrenas.” Eu queria responder, mas acordei.


