Aberto às realidades do teu tempo

António Joaquim, arquiteto e mestre em Arquitetura e Urbanismo, antigo aluno, encontra-se como voluntário a trabalhar nos Salesianos de Cabo Verde. António colabora na pastoral da escola e no estudo de recuperação do edifício do Albergue de São Vicente para aí ser instalado um novo oratório salesiano diário. A poucos dias da solenidade de São João Bosco, publicamos uma reflexão que nos enviou.

São João Bosco, Pai e Mestre da Juventude, dócil aos dons do Espírito e aberto às realidades do teu tempo, foste para os jovens humildes e pobres um sinal do amor e da predileção de Deus”.

Assim começa a oração que todos os dias se reza em casas Salesianas pelo mundo fora. Será preciso dizer mais? Vejamos:

Pai e Mestre da Juventude; de Santo para Santo, S. João Paulo II aclamou S. João Bosco como Pai e Mestre da Juventude. Pai pelo trato amoroso e suave, pela preocupação e pela inquietação infinita com o bem-estar dos jovens em todo o mundo. Mestre pela dedicação à formação e pela procura incessante que todos quantos passassem por uma casa Salesiana saíssem sempre, nem que só um bocadinho, maiores em “Sabedoria, Estatura e Graça”.

Um sinal do amor e predileção de Deus; um dos grandes dons de D. Bosco era, não só o de amar profunda e genuinamente os “seus rapazes”, mas também o de os fazer sentirem-se profunda e genuinamente amados, não só por si, mas também por Deus. Muitos dos jovens com quem D. Bosco trabalhava eram invisíveis para a sociedade; trabalhadores anónimos em obras de que não tirariam partido, órfãos, prisioneiros e alguns acumulavam até mais do que uma destas “qualidades”. Tão fácil seria para eles sentirem-se abandonados pelos Homens e por Deus, e provavelmente, não fosse D. Bosco, teria acontecido exatamente isso.

Aberto às realidades do teu tempo; a frase que me leva a escrever este texto, a frase que revela um Santo aberto e atento às realidades do seu tempo e às necessidades daqueles jovens por quem e para quem trabalhou e viveu.

Convém referir que D. Bosco viveu num tempo muito diferente do nosso, e que experimentou uma Igreja muito diferente da nossa. Foi ordenado mais de cem anos antes do Concílio Vaticano II (antes do qual seria, de resto, ainda canonizado), essa tão célebre e importante reflexão que procurou trazer a Igreja para o tempo moderno.

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Será também importante recordar que quando D. Bosco morreu, e já nem digo nasceu, a missa era rezada em Latim e de costas para o povo, que, por não ser conhecedor de línguas nem dos preceitos eclesiásticos, pouco entendia daquilo que se passava. Acabava por se remeter muitas vezes a orações e ladainhas, que pouco ou nada tinham a ver com a Santa Missa e com o que decorria no altar. Foi nesta realidade que nasceu, cresceu e morreu o pequeno Joãozinho, desde o pequeno “Saltimbanco de Castelnuovo”, até D. Bosco, Reitor-Mor dos Salesianos que já nessa altura se expandiam muito para além da sua Itália natal e até para além da Europa.

Desde a sua juventude, desde esses tempos de “Pequeno Saltimbanco” que o pequeno grande Joãozinho Bosco esteve aberto (e atento) às realidades do seu tempo. Ciente das dificuldades e da distância que muitas vezes se criava entre o clero (educado, protocolar e soberano) e o povo (analfabeto, pobre e muitas vezes dono de nada, nem de si próprio), procurava, munido da sua prodigiosa inteligência e memória e dos seus conhecimentos, adquiridos por insistência e curiosidade, levar a Palavra àqueles que não a procuravam.

Fosse com truques de cartas e malabarismos aos 10 anos ou com passeios e jogos aos 40, aquele “Joãozinho” eternizou em si aquele sonho dos nove anos e procurou vivê-lo até ao seu último dia. Tudo o que fez, fez na busca de pôr os seus dons ao serviço dos jovens, fez na busca de não desapontar Aquele que lhe confiou tantos dons, na esperança que aquele menino pequeno, órfão e humilde, fosse capaz de ser ainda Pai e Mestre da Juventude mais de 200 anos depois do seu nascimento.

Não poucas vezes chamado de louco, não poucas vezes atacado quer física, quer intelectualmente, D. Bosco procurou sempre ajudar aqueles que precisavam de ser ajudados, e amar aqueles que precisavam de ser amados. Mesmo que isso significasse passar a vida rodeado de jovens mal vistos pela sociedade, D. Bosco pôs de lado os preceitos e os preconceitos, saiu ao “mundo real”, olhou à volta, e só dessa forma pôde perceber qual era a realidade do seu tempo. Só dessa forma se pôde abrir verdadeiramente aos jovens e adaptar-se, para poder ajudá-los da forma que eles realmente precisavam, e não da forma que a sociedade da altura julgava ser necessária.

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Hoje, como no tempo de D. Bosco, os Salesianos são abertos e atentos à realidade do seu tempo, e acima de tudo, aos sinais dos jovens que mais precisam.

Hoje, como no tempo de D. Bosco, os Salesianos trabalham na antecipação, não é por acaso que D. Bosco batizou o seu método pedagógico de “Sistema Preventivo”.

Hoje, como no tempo de D. Bosco, os Salesianos são profetas do Amor infinito de Deus, porque amam os jovens ainda antes de eles saberem que precisam de ser amados.

Hoje, como no tempo de D. Bosco, os Salesianos não forçam os jovens, mas tentam antes conquistá-los com amabilidade e amizade profunda, fazendo assim cumprir a vontade de Nossa Senhora quando disse em sonho a D. Bosco, “Não com pancadas, mas com a mansidão e a caridade, deves conquistar estes teus amigos”.

E agora que celebramos o 134.º aniversário da morte de D. Bosco, esta receita é tão atual como quando ele a utilizou com os “seus jovens”. As ideias de D. Bosco não se esgotam com o tempo, não perdem o fôlego nem a força. As ideias e palavras amadurecem com os anos, e a obra cresce e assim continuará enquanto se mantiverem estes dois pilares na base dos Salesianos:

Amor incondicional aos jovens, sendo para eles um sinal do amor e da predileção de Deus. Abertura às realidades de cada tempo, adaptando a forma como se aborda e conquista os jovens como D. Bosco adaptou no seu tempo.

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