«O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5,5)
Há momentos na vida em que nos damos conta de que não fomos nós que começámos a história. A fé é uma resposta. Antes de qualquer palavra, há um Deus que fala, que nos surpreende; antes de qualquer gesto, há um Deus que age; antes de qualquer desejo, há um Deus que chama.
A liturgia é precisamente isso: a ação de Deus em nosso favor, o lugar onde Ele toma a iniciativa e nos envolve no seu amor.
Quando entramos numa celebração, facilmente pensamos que “vamos à missa” para “fazer algo”: cantar, rezar, ouvir, encontrar. Mas, no fundo, é Deus quem faz tudo primeiro. A liturgia não é um “teatro religioso” onde desempenhamos papéis; é o próprio Cristo que celebra o mistério pascal com o seu povo. Como recorda o Concílio Vaticano II: «Na liturgia, realiza-se a obra da nossa redenção» (Sacrosanctum Concilium, 2).
A liturgia é o hoje da salvação, onde o eterno entra no tempo. Não é uma recordação, é uma presença. Cada missa, cada sacramento, cada oração litúrgica é um novo Pentecostes, em que o Espírito Santo atua para transformar os corações, a nossa vida.
A graça que nos precede
Toda a teologia litúrgica começa com uma palavra decisiva: graça. Já pensaste no que se diz na missa: “A graça e a paz… estejam convosco.” A graça é o amor gratuito de Deus que se antecipa a nós. “Deus amou-nos primeiro” (1 Jo 4,19). Na liturgia, este amor torna-se visível, audível, palpável. É por isso que Bento XVI afirmava que «a liturgia é o lugar onde Deus nos alcança e nos faz participar da sua própria vida» (Sacramentum Caritatis, 35).
Quando compreendemos isto, o nosso modo de participar muda. Já não vamos “para merecer”, “para cumprir” ou “para assistir”. Vamos para nos deixar encontrar.
Na liturgia, o essencial é deixar-se fazer por Deus — é Ele quem age, nós apenas respondemos com o coração aberto, o nosso louvor, a nossa gratidão, a nossa vida.
Deus vem ao nosso encontro
A liturgia é um encontro. Não um encontro qualquer, mas o encontro decisivo: o do Criador com a criatura, o do Ressuscitado com o seu povo.
«Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles» (Mt 18,20).
Celebrar é deixar que esta presença se torne real, eficaz, transformadora.
É o contrário do ativismo ou da distração: é acolher o dom, é parar para deixar Deus ser Deus. Quantas vezes, no ruído do quotidiano, esquecemos que a primeira palavra não é nossa! A liturgia é o grande alerta: a vida cristã começa sempre de joelhos, não de pé.
Aprender a viver o dom
Dom Bosco dizia que “a santidade consiste em estar sempre alegres e cumprir bem o próprio dever”. Essa alegria tem a sua fonte na liturgia: é o alegrar-se por sermos amados gratuitamente. Celebrar bem é viver com gratidão, é deixar-se formar por um Deus que educa com ternura e ritmo — como um Pai que ensina o filho a dar os primeiros passos.
Por isso, a liturgia tem uma pedagogia divina: ensina-nos a receber, a agradecer, a esperar. Numa cultura que idolatra o “fazer” e a pressa, a liturgia recorda-nos que a fé começa no acolhimento.
De um altar que se estende à vida
Quem descobre a liturgia como ação de Deus é renovado. O altar prolonga-se na vida: Deus toma a iniciativa também nas nossas histórias — nos encontros, nas alegrias, nas cruzes. Cada dia pode tornar-se liturgia, se o vivermos com o mesmo coração aberto.
«A liturgia é o cume para o qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte de onde emana toda a sua força» (Sacrosanctum Concilium, 10).
A iniciativa é d’Ele. Mas o coração é nosso. Deus continua a agir. A pergunta que te deixo é: estamos disponíveis para nos deixarmos envolver por Deus?