Em artigos anteriores, fixámos o nosso olhar no rosto de Jesus de Nazaré, intensamente marcado por um zelo irreprimível pelo anúncio jubiloso do Reino de Deus, seu Pai; agora contemplaremos o seu rosto de homem orante.
Um facto indiscutivelmente atestado pelos Evangelhos
Os Evangelhos apresentam Jesus em oração mais de uma vez: ou num lugar isolado, às primeiras horas da manhã, apesar de ter vivido algumas horas antes um dia de intensa atividade entre as multidões (Mc 1,35); ou durante uma noite inteira, antes de escolher os seus colaboradores mais próximos (Lc 6,12); ou ainda durante longas horas, penosamente, a meio da noite, antes de enfrentar a sua paixão (Mt 26,39-44; Mc 14,35-39; Lc 22,41-44). Há ainda, no evangelho de João, a chamada “oração sacerdotal” (Jo 17), certamente muito elaborada teologicamente pelo evangelista, mas que deixa entrever um facto histórico de grande probabilidade.
No passado, um certo modo de ver as coisas interpretava este dado evangélico como um “bom exemplo” de Jesus, como uma forma de estimular os seus seguidores à oração, talvez apoiando com factos a sua exortação a “orar sempre, sem desfalecer” (Lc 18,1), a “pedir… procurar… bater” (Mt 7,7; Lc 11,9; cf. Jo 16,24). Na verdade, pensava-se que ele, por ser o Filho de Deus, não tinha necessidade de rezar. Quando muito, podia ser aquele a quem, como a Deus, se devia dirigir a oração.
No fundo, tratava-se de uma interpretação algo “monofisita” do facto mencionado, pois não levava suficientemente a sério a humanidade de Jesus e pensava-a como absorvida pela sua divindade. Hoje, porém, superado esse modo de pensar, levamo-lo muito a sério no seu realismo: Jesus, como verdadeiro homem que era, sentia a necessidade de rezar a Deus, seu Pai, e fazia-o frequente e intensamente. Foi desta convicção íntima que nasceu o convite que fez aos seus discípulos para fazerem o mesmo.
Como é que Jesus rezava
Com base no comportamento de Jesus, descrito nos Evangelhos, podemos supor que ele rezava como qualquer judeu piedoso do seu tempo. Havia, antes de mais, as orações pessoais que pontuavam os diferentes momentos do dia, e havia também as orações comunitárias feitas em família, na sinagoga e, durante as grandes festas, no templo de Jerusalém. Podemos pensar que ele seguia normalmente os costumes do seu povo, embora reservasse momentos mais pessoais para os seus colóquios íntimos com Deus, de que falámos acima.
Tanto a sua oração comunitária como, mais ainda, a sua oração pessoal, devem ter sido fortemente marcadas pela sua participação convicta e pessoal, o que lhes deve ter dado um tom muito peculiar.
De facto, a sua oração foi, antes de mais, uma oração de filho. A sua profunda e singular consciência filial deve certamente ter-se refletido na sua oração. Um indício disso é a fórmula-guia que propôs aos discípulos, que começa precisamente com a invocação de Deus como “Pai”, segundo a versão de Lucas (Lc 11,2), ou como “Pai nosso”, segundo a de Mateus (Mt 6,9), mas sobretudo com a sua oração pessoal no Horto das Oliveiras, durante a qual, segundo o Evangelho segundo São Marcos, usou o termo “Abbá” (Mc 14,36).
A partir da nossa experiência humana, podemos apenas imaginar o que foi efetivamente o seu diálogo filial com o Pai; mas não podemos certamente compreender toda a sua profundidade e riqueza, porque não somos capazes de experimentar a sua própria relação filial, única e irrepetível. Uma coisa parece indiscutível: a singularidade do seu modo de rezar marcava profundamente os seus discípulos, segundo a informação dada em Lc 11,1.
Mas, em segundo lugar, a sua oração era a de um pastor. O Pai com quem se relacionava na oração, sobretudo na oração pessoal, não era um Deus egocêntrico, preocupado consigo próprio e com a sua glória; pelo contrário, era um Deus “excêntrico”, cuja preocupação suprema era o bem e a felicidade dos seus filhos. Um Deus-amor, em suma (1Jo 4,8.16). Tal como o bom pastor delineado no discurso joanino, em contraste com o mercenário que procura apenas a si próprio: “O mercenário, que não é pastor e a quem não pertencem as ovelhas, vê o lobo aproximar-se, abandona as ovelhas e foge, e o lobo rapta-as e dispersa-as; é um mercenário e não se preocupa com as ovelhas […]. O bom pastor, pelo contrário, dá a sua vida pelas ovelhas” (Jo 10,11-12). E deste Deus-pastor, Jesus tem como que o selo no seu coração.
Por isso, podemos supor que, com o seu Pai, ele falava sobretudo daquilo que estava a realizar com tanta paixão entre a gente do seu povo. Ele rezou, isto é, a sua missão.
Os tipos de oração que fazia
Revisitando os Evangelhos, podemos identificar vários tipos de oração praticados por Jesus.
Em primeiro lugar, a oração de ação de graças e de bênção. Um tipo de oração muito presente nas páginas do Antigo Testamento (chamava-se berakah, de berek-bendizer), que revela o elevado grau de maturidade atingido pelo povo de Israel na sua relação com Deus. Uma palavra, que se encontra frequentemente neste género de oração, concentra esta maturidade: “Alleluia”. É composta pelo imperativo do verbo hallel (louvor em hebraico) e pelo “ia” final, que é uma contração do nome divino JHWH. Significa, portanto, “louvai a JHWH”. Brota do coração transbordante de alegria e de reconhecimento do povo, que está sempre na presença dos grandes feitos realizados por Deus em seu favor.
Emblemáticos a este respeito são os salmos “do Hallel” (Sl 113-118), recitados no final da refeição pascal, que tomam como ponto de partida para o louvor e a ação de graças a recordação dos grandes dons concedidos por JHWH na criação e na história da salvação. Entre eles, destaca-se o salmo mais curto de toda a Bíblia, constituído por apenas dois versículos, que, no entanto, na sua brevidade e concisão, resumem a totalidade dos motivos de louvor que o povo tinha: “Louvai o SENHOR, todas as nações! Exaltai-o, todos os povos! Porque o seu amor para connosco não tem limites e a fidelidade do SENHOR é eterna! Aleluia!” (Sl 117).
Na realidade, a bênção dirigida a Deus não é mais do que a resposta à sua bênção anterior: porque Deus manifestou a sua boa vontade para com o povo, ou seja, “falou bem” em seu nome, o povo, por sua vez, “fala bem” d’Ele. É uma forma de reconhecer a sua bondade e a sua disposição favorável para com aqueles que escolheu como sua “propriedade peculiar”.
O facto de Jesus se ter associado à tradicional oração de bênção do seu povo é atestado pelo relato sinóptico da ceia, no qual se diz que, antes de repartir o pão e de entregar o cálice aos discípulos, ele “pronunciou a bênção” e “deu graças” (Mt 26,26-27; Mc 14,22-23; Lc 22,17.19), e pelo relato dos momentos que se seguiram à última ceia: “E, depois de cantarem o hino, saíram para o Monte das Oliveiras” (Mt 26,30; Mc 14,26). O “hino” a que o texto se refere é, precisamente, o “Hallel”, que se cantava habitualmente depois da ceia pascal.
Mas, para além deste testemunho, há dois outros que aludem a momentos mais pessoais da oração de Jesus. O primeiro é o de Lc 10,21: “Naquele momento, Jesus alegrou-se no Espírito Santo e disse: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos doutores e aos sábios e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque foi do teu agrado”. No meio da sua atividade irreprimível, quando os setenta e dois discípulos enviados voltam a ele para lhe contar o que tinham feito no meio do povo, ele eleva esta oração de louvor e de bênção ao Pai, motivado pelo que estava a acontecer: os pequeninos, isto é, a gente simples e humilde do povo, aceitam a sua proposta e abrem-se com entusiasmo ao anúncio do Reino que vem. O texto lucano faz questão de sublinhar que esta oração nasce de um estado de ânimo de exultação no Espírito Santo. É esse o ambiente próprio em que tal oração encontra o seu espaço.
Um segundo testemunho encontra-se na narração da ressurreição de Lázaro. Antes de tirar o seu amigo do túmulo e de o devolver à vida e ao afeto das suas irmãs, e ao seu próprio, ele dirige ao Pai uma oração sentida nestes termos: “Pai, agradeço-te por me teres escutado. Eu sabia que me escutavas sempre, mas disse isto por causa das pessoas que me rodeiam, para que acreditem que tu me enviaste” (Jo 11,41-42). É provável que este texto, certamente muito elaborado do ponto de vista teológico, reflita a convicção dos discípulos de que Jesus estava numa relação filial com Deus e que podia obter dele tudo o que pedisse.
Mas, para além das orações de louvor e de agradecimento, Jesus faz também orações de súplica, as que mais frequentemente se encontram nos lábios dos orantes bíblicos do Antigo Testamento, e dos orantes de todas as religiões ainda hoje. Ele pratica-a e convida os seus discípulos a praticá-la com extrema confiança no amor solícito do Pai celeste (Mt 7,7-11; Lc 11,9-13; Jo 16,24).
Se, para além de a ensinar aos seus discípulos (Mt 6,9-13; Lc 11,2-4), ele próprio a recitava, o que é muito provável, seguindo uma via já aberta pela oração judaica conhecida como Qaddish, a oração do “Pai Nosso” era, no seu coração e nos seus lábios, uma grande oração de súplica: “santificado seja o teu nome, venha o teu Reino; faça-se a tua vontade… Dá-nos o pão e perdoa as nossas ofensas… não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do Mal”.
O quarto evangelho, por seu lado, relata a oração que ele fez por ocasião do pedido dos gregos para o verem (Jo 12,21.27-28), e a que brotou do seu coração durante a Última Ceia (Jo 17,1-26). Em ambas, pede – tema caraterístico do evangelho joanino – uma glorificação: na primeira, do nome do Pai (Jo 12,28); na segunda, de si mesmo como Filho (Jo 17,1). No fundo, o que ele pede é a realização plena do grande projeto de Deus, uma realização que terá como resultado a glória de Deus e a felicidade plena do homem.
Não encontramos nos Evangelhos a evidência de um outro tipo de oração feita por Jesus, muito presente nos escritos do Antigo Testamento, a do pedido de perdão pelos pecados cometidos (por exemplo, o Salmo 50, conhecido como “Miserere”). Provavelmente reflete uma certeza profundamente enraizada na fé dos primeiros discípulos: Jesus nunca cometeu pecados pessoalmente (Jo 8,46; Heb 4,14; 1Pe 2,22) e, portanto, não tinha necessidade de pedir perdão.
Em vez disso, há indícios de um outro tipo de oração, que remonta à experiência dos profetas de Israel.
Estes, como é sabido, não só se diferenciavam claramente dos reis e dos sacerdotes, mas também dos “sábios” e dos “escribas”. E a diferença fundamental consistia precisamente no facto de que, enquanto estes últimos tinham de se ocupar de ensinamentos e explicações jurídicas, aqueles exerciam o seu papel sobretudo em relação aos acontecimentos históricos do povo. E toda a sua pregação foi marcada por uma extraordinária mobilidade no acompanhamento dos fenómenos históricos e uma grande flexibilidade na adaptação constante dos seus discursos a esses fenómenos. Por isso, o seu diálogo com JHWH na oração consistia muitas vezes na tentativa de discernir o que, nesses acontecimentos históricos, estava de acordo com a sua vontade ou se opunha a ela.
Esta oração de discernimento foi certamente praticada também por Jesus, cuja qualidade profética era também reconhecida pelas multidões (Mt 21,11.45; Mc 6,15; Lc 7,16; 24,19; Jo 6,14; 7,40; 9,17). Podemos supor que a frequentava assiduamente, pois sentia-se portador do grande projeto de Deus, seu Pai, em favor dos homens. Mais de uma vez, nas noites de oração que passou em diálogo com ele, deve ter tentado discernir, nos acontecimentos que se sucediam ao longo da sua atividade, o caminho de concretização desse projeto. Não se pode excluir que parábolas como a do semeador (Mt 13,3-9; Mc 4,3-8; Lc 8,5-8), ou outras semelhantes sobre o avanço do reino anunciado, como as da semente que cresce mesmo sem o semeador pensar (Mc 4,27-29), ou do joio que cresce junto com o trigo bom (Mt 13,24-30), ou do grão de mostarda que cresce e se torna um grande arbusto (Mt 13,31-32), etc., sejam uma forma de exprimir o resultado de tal discernimento.
Dois exemplos emblemáticos deste tipo de oração podem ser considerados: a que fez por ocasião da escolha dos doze apóstolos (Lc 6,12) e, sobretudo, a que fez no Jardim das Oliveiras antes da paixão (Mt 26,39.42; Mc 14,36.39; Lc 22,42-45).
Na primeira, narrada pelo evangelista de forma extremamente sucinta, podemos imaginar nas entrelinhas o diálogo que Jesus teve com o Pai durante a noite sobre as decisões a tomar relativamente aos seus colaboradores imediatos. De facto, foi depois dessa noite “passada em oração” que, como diz o texto, “quando amanheceu, chamou a si os seus discípulos e escolheu doze, aos quais deu o nome de apóstolos” (Lc 6,13). E acrescenta a lista dos seus nomes. É possível vislumbrar o esforço de discernimento que ele fez para chegar a tal escolha, tendo em conta o que fazer para anunciar o reino nas pessoas a escolher a serem escolhidas.
Na segunda, narrada com maior riqueza de pormenores, indiscutivelmente marcada pelas particularidades de cada evangelista, apreende-se a tentativa que ele fez de discernir que decisão tomar perante a morte agora vista como iminente. Uma tentativa conturbada e dolorosa, que culmina com a resolução de levar a sua missão até ao fim, para cumprir a vontade do Pai, mesmo à custa da sua própria vida.
Deste modo, seguindo a linha traçada pelos profetas do Antigo Testamento, Jesus apresenta-se como um modelo extraordinário de oração de discernimento para todos os tempos.
(NPG 2005-01-51)