Património Industrial: Sant'Anna, tradição no tempo da modernidade

Património Industrial: Sant’Anna, tradição no tempo da modernidade

Nos tempos vertiginosos da modernidade, não é a falta de procura que compromete o futuro destas singulares artes azulejares e de faiança. É a falta de quem as queira aprender.

Resiliência. O óxido de cobalto é um dos poucos pigmentos que pode suportar as variações nas altas temperaturas de queima, sem que se arrisque a perda do trabalho artístico executado. Conhecemo-lo como o azul português e a sua resiliência e plasticidade são talvez as razões ancestrais para a sua popularidade. A azulejaria e a faiança são artes do fogo, e a termodinâmica e química são ciências complexas, difíceis de dominar. Há 284 anos que esta complexidade é abraçada e decifrada pela sabedoria prática e secular de quem aqui trabalha.

“Os 990/ 1000°C são o melhor multiplicador comum para as cores que a Sant’Anna usa”, diz-nos com um sorriso bonançoso Francisco Tomás, o responsável pela Fábrica.

A Sant’Anna nasceu em 1741 como uma pequena olaria em Lisboa, perto de uma região com barro de grande qualidade. Era conhecida como Olaria das Terras de Santa’Anna e produzia louça utilitária de barro vermelho não vidrado. Com o terremoto de 1755, a necessidade de reconstruir Lisboa tornou urgente a procura de soluções para prover e decorar as novas construções com que se reedificava a cidade. Os revestimentos em pedra eram caros e morosos e o azulejo, pelo seu menor custo, impermeabilidade e facilidade de produção, tornou-se o material de eleição, que vestiria de luz o novo rosto da capital.

A Fábrica Sant’Anna foi fundada em 1741, situa-se na Calçada da Boa Hora, em Lisboa, e é classificada como património arquitetónico e industrial de interesse público

Património classificado da arqueologia industrial e da arquitetura da cidade, a Fábrica Sant’Anna está entrelaçada com a história desta Lisboa renascida, com a identidade artística nacional e com a projeção da nossa cultura. Oitenta e cinco por cento da produção aqui realizada tem como destino os quatro cantos do globo. A difusão das suas realizações encontra nas naus aqui pintadas, a metáfora perfeita dos costumes, fé missionária e conhecimento, que de Portugal partiram para o Mundo. Luanda, Rio de Janeiro, Los Angeles, Boston, Macau, Goa, Santiago do Chile, são alguns dos destinos regulares para as obras aqui executadas na disciplina e tradição da Escola de Cerâmica Portuguesa do séc. XVIII.

A Sant’Anna é a mais antiga fábrica em laboração na Europa e o seu maior feito é o reconhecimento mundial, sobretudo o de colecionadores e especialistas, interessados não apenas na beleza das peças, mas também na integridade dos processos, no respeito religioso por tradições e saberes antigos, no horizonte do esquecimento.

“A difusão das suas realizações encontra nas naus aqui pintadas, a metáfora perfeita dos costumes, fé missionária e conhecimento, que de Portugal partiram para o Mundo”

Conquistou muitos clientes, entre eles o ex-Presidente da República Francesa, François Miterrand, e Madeleine Albright, a primeira mulher a tornar-se secretária de Estado da administração norte-americana.

Nos tempos vertiginosos da modernidade, não é a falta de procura que compromete o futuro destas singulares artes azulejares e de faiança. É a falta de quem as queira aprender. A Fábrica Sant’Anna, resiliente, contudo, ainda cá está! A engrandecer um portefólio inigualável.

Fotografia: João Ramalho

Publicado no Boletim Salesiano n.º 611 de setembro/outubro de 2025

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