Lema Reitor-Mor

Apresentação do Lema do Reitor-Mor para 2023

COMO FERMENTO NA FAMÍLIA HUMANA DE HOJE
A dimensão laical da Família de Dom Bosco

À MANEIRA DE UM PEQUENO ESQUEMA…

Sinopse do Lema  2023

Gostaria de definir primeiramente a quem se destina o Lema 2023. São dois os grupos de destinatários: destina-se às crianças, adolescentes e jovens de todas as presenças da Família de Dom Bosco no mundo. E, igualmente, destina-se a toda a Família Salesiana e, nela e juntos, a descobrir a sua dimensão laical.

Como é possível ter dois destinatários tão claramente diferentes? É fácil de entender: com a nossa pedagogia e espiritualidade, pretendemos ajudar as crianças e particularmente os adolescentes e os jovens a descobrirem que cada um deles pode ser como o fermento de que fala Jesus, como o bom fermento que ajuda a crescer e tornar maior e mais saboroso o “pão da Família Humana”. E cada um deles pode ser verdadeiro protagonista e ter uma autêntica missão ao lado de Jesus ou como um bom crente na religião que professa.

E para a Família de Dom Bosco pretende ser uma mensagem clara e desafiante que nos leve a descobrir a sua dimensão laical, nesta família em que todos estamos envolvidos e cuja grande maioria dos membros é constituída por leigos, homens e mulheres de todos os países, com a sua vida laical cristã que os chama a ser um verdadeiro fermento nesta Humanidade que tanto precisa dele.

E aqueles de nós que somos consagrados na Família Salesiana somos igualmente convidados a ser “fermento na massa do pão da Humanidade” e a viver juntos e enriquecidos com a secularidade evangélica dos nossos irmãos e irmãs. Simplificando, somos chamados como Família a ser complementares uns aos outros.

“Disse-lhes ainda:
– A que compararei o Reino de Deus?
É como o fermento que uma mulher toma
e mistura em três medidas de farinha
e toda a massa fica fermentada” (Lc 13,20-21).

O fermento age silenciosamente.

O fermento é silencioso na sua ação, tal como a ação do Reino de Deus na sua atuação interior. Quem pode ouvir o fermento na sua ação sobre a farinha e a massa em que foi colocado enquanto fermenta toda a massa? Assim também é a compreensão do Reino de Deus. O próprio apóstolo Paulo apresenta o Reino a partir do seu aspeto mais íntimo quando diz: “O Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e gozo no Espírito Santo” (Rm 14,17). Tudo isto é ação interior e invisível do Espírito; é o fermento colocado no coração. E, como o fermento realiza a sua ação por contacto, assim também o Evangelho.

A parábola do fermento, escolhida como tema do Lema 2023, é uma parábola de grande sabedoria evangélica, pedagógica e atualidade educativa, expressando a natureza do Reino de Deus que Jesus viveu e ensinou.

Há várias interpretações teológicas desta passagem bíblica. A nossa opção interpretativa para o Lema deste ano é justamente a de apresentar o fermento como imagem da fecundidade e do crescimento do Reino de Deus; fermento que, no coração das pessoas, potencia a riqueza do dom do chamamento à vida, da vocação em que Deus nos plantou, orientando a missão dos leigos e de toda a família de Dom Bosco no mundo inteiro.

“Um pouco de fermento leveda a massa toda ” (Gal 5,9). É impressionante como uma porção de farinha duplica ou triplica de tamanho por ação de uma pequena porção de fermento… O Senhor diz que o Reino de Deus é como o fermento que leveda a massa na preparação do pão. Algo muito especial carateriza o fermento: a sua capacidade de atuar “positivamente” sobre a massa.

Entre os ingredientes utilizados para fazer o pão, o fermento, como o Senhor refere na parábola do Evangelho, não constitui a maior quantidade, bem pelo contrário. É muito pouco o que se usa, mas o que o distingue é ser o único ingrediente ativo, e por ser ativo tem a capacidade de influir, harmonizar, transformartoda a massa.

Podemos dizer, então, que o Reino de Deus é assim: uma realidade humanamente pequena e aparentemente irrelevante. Para fazer parte dela, é necessário ser pobre de coração; não confiar nas próprias capacidades, mas no poder do amor de Deus; agir não para ser importante aos olhos do mundo, mas precioso aos olhos de Deus, que tem predileção pelos simples e humildes. Certamente o Reino de Deus pede a nossa colaboração, ainda que seja, antes de tudo, iniciativa e dom do Senhor. O nosso trabalho frágil, aparentemente pequeno, diante dos problemas do mundo, inserido na ação de Deus, é capaz de resistir diante das dificuldades.

A vitória do Senhor está garantida, o seu amor fará crescer toda a semente de bem presente na terra, abrindo-nos à confiança e ao otimismo apesar dos dramas, das injustiças e dos sofrimentos que encontramos. A semente do bem e da paz germina e desenvolve-se porque o amor misericordioso de Deus faz com que ela amadureça (Angelus do Papa Francisco, 14 de junho de 2015).

1. Um Reino de Deus que germina no nosso mundo, entre luzes e sombras

“Os fariseus saíram dali e deliberaram contra Jesus para lhe dar a morte. Jesus soube disso e afastou-se daquele lugar. Uma grande multidão o seguiu, e ele curou todos os seus doentes. Proibia-lhes formalmente falar disso para que se cumprisse o que diz o profeta Isaías:

Aqui está o meu servo, que escolhi,
o meu amado,
em quem a minha alma se deleita.
Derramarei sobre ele o meu espírito,
e ele anunciará a minha vontade aos povos.
Não discutirá nem bradará,
e ninguém ouvirá nas praças a sua voz.
Não há de quebrar a cana fendida,
nem apagar a mecha que fumega,
até conduzir a minha vontade à vitória.
E em seu nome as nações porão sua esperança” (Mt 12,14-21)

  • Aqui é o próprio Jesus a agir como fermento entre as pessoas mais simples, entre os doentes que precisam de cura. “E ele curou-os a todos” … é o rosto “laical” de Jesus, no meio do “laos”, o povo, onde não há diferença de classe social ou proveniência. Todos eles parecem estar unidos pela pobreza e pela necessidade de ajuda.
  • O facto mais historicamente credível da vida de Jesus é o símbolo que dominou toda a sua pregação, a realidade que deu sentido a todas as suas atividades, ou seja, o “Reino de Deus”. Os evangelhos sinóticos resumem o ensinamento e a pregação de Jesus nesta frase lapidar: “Completou-se o tempo” (Mc 1,15); “Fazei penitência, pois o Reino dos céus está próximo ” (Mt 4,17). A expressão encontra-se 122 vezes no Evangelho e 90 vezes nos lábios de Jesus. Portanto, é mais do que evidente que Jesus pregou o Reino de Deus e não a si mesmo (K. Ranher).
  • Entretanto, a palavra e o anúncio do Reino não são apenas o tema central da pregação de Jesus, nem o ponto de referência da maior parte das suas parábolas e o objeto de grande número dos seus ditos; são também o conteúdo das suas ações simbólicas, que compõem grande parte do seu ministério, ou seja, a amizade com cobradores de impostos e pecadores, com os quais ele chega a sentar-se à mesa. São as curas e os exorcismos… De facto, Jesus viveu plenamente o Reino na sua comunhão com os marginalizados e na compaixão pelos mais pobres, os últimos, os excluídos, demonstrando na prática o amor incondicional de Deus pelos últimos.
  • Reconhecemos hoje que há tanto bem no nosso mundo, neste Reino em construção, e também reconhecemos que há tanta dor, criada pela nossa maneira de ser e de agir como família humana. Por isso, precisamos de abrir os nossos olhos e os nossos corações ao “modo de agir” de Deus que estabelece o seu Reino de uma maneira muito especial. E é desta forma – assumindo a sua maneira de ser e agir – que devemos cooperar com Ele. Não podemos fazer de outro modo, se não quisermos que o Reino deixe de ser “de Deus” e se torne “nosso”. Mas não de Deus.
  • Relevante neste sentido é o estilo da presença do Reino de Deus encarnado em Jesus como o Evangelho o descreve através das palavras de Isaías: “Não discutirá nem bradará, e ninguém ouvirá nas praças a sua voz. Não há de quebrar a cana fendida, nem apagar a mecha que fumega, até conduzir a minha vontade à vitória. Em seu nome as nações porão sua esperança”. E são todas as nações que o esperam: não só Israel… para reunir os filhos de Deus que estavam dispersos. A abertura universal que nos carateriza como Família Salesiana é de grande sintonia com o Evangelho do Reino. A Igreja é formada por mais de 99% de leigos… imaginemos como se torna a proporção se abraçarmos o mundo inteiro. Eles são a massa, bem como o fermento do Reino.
  • Por vezes o nosso contributo humano ou o nosso pequeno esforço podem parecer insignificantes, mas serão sempre importantes diante de Deus. Não devemos e não podemos medir a eficácia ou os resultados dos nossos esforços por aquilo que investimos neles, pelo esforço necessário, já que a razão última de tudo é Deus; e, ao mesmo tempo, não podemos cair no complexo de inferioridade ou nas falsas justificações de que a missão e a construção do Reino são impossíveis, pois isso bloqueia e paralisa.
  • Permanecendo sob os “olhos” e diante do “coração” do nosso Deus, não devemos confundir a pequenez e a humildade com a fraqueza. É pouco o que podemos fazer diante do “muito” que nos é exigido. No entanto, nunca é “insuficiente” ou irrelevante, porque é Deus quem nos faz crescer. É a força de Deus que vem em nosso socorro. E é Deus quem, em definitiva, acompanha o nosso trabalho, os nossos esforços, o nosso ser pobre fermento na massa. Desde que façamos tudo e sempre em seu nome.

2. Uma família humana carente de…

Toda pessoa é chamada – neste mundo – a descobrir o significado da própria existência, que é precisamente viver um estilo de vida saudável e fraterno no interior da Família Humana. A parábola do fermento e a proposta do Lema levam-nos, pois, a entrar neste mundo de grandes desafios através da dinâmica do tempo e da história humana. O fermento colocado na massa de pão precisa do seu tempo para levedar.

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Este tempo de Deus, o kairós, ensina-nos a entrar numa dinâmica em que o tempo é mais importante do que o espaço, como disse o Papa Francisco. Especialmente num mundo onde a comunicação virtual e digital cria um habitat de redes, de presenças instantâneas e interativas; é muito importante aprofundar o significado do tempo nas nossas vidas, na nossa forma de comunicar, trabalhar e estar juntos como pessoas.

A construção da Família Humana é responsabilidade e empenho de todos nós. Conhecemos o grande bem que nos rodeia, mas também o grande sofrimento que ainda não fomos capazes de superar no mundo em que vivemos. O Papa Francisco recorda-nos justamente isto, quando afirma que «cada geração deve fazer suas as lutas e as conquistas das gerações anteriores e levá-las a metas ainda mais altas. É o caminho. O bem, como aliás o amor, a justiça e a solidariedade não se alcançam de uma vez para sempre; hão de ser conquistados cada dia. Não é possível contentar-se com o que já se obteve no passado nem instalar-se a gozá-lo como se esta situação nos levasse a ignorar que muitos dos nossos irmãos ainda sofrem situações de injustiça que nos interpelam a todos».[1]

Reconhecemos, por isso, que a nossa família humana é uma família com muitas carências:

  1. Carência de justiça e dignidade para os últimos e os descartados (FT, 15-17; 18-21; 29-31; 69-71; 80-83; 124-127;234);
  2. Carência de verdade (LF 23-25; FT 226-227);
  3. Carência de paz e de fraternidade (FT 88-111; FT 216-221; ChV 163-167);
  4. Carência de Deus (LF 50-51; LF 1-7; LF 35; LF 58-60);
  5. Carência de cuidado da casa comum (Cf. Laudato Si’);
  6. Carência de …

Não podemos deixar para amanhã o bem que devemos fazer hoje! Somos chamados, como Família de Dom Bosco, a ser fermento na Família Humana. Guiados por esta visão – da dinâmica evangélica do fermento – queremos aprofundar e reconhecer a riqueza da vocação espiritual, religiosa e cristã dos nossos leigos em todas as presenças do mundo, e dos leigos da Família de Dom Bosco, valorizando nas diferentes culturas e sociedades o dom da sua vida, a força da sua fé, a beleza da sua família, a sua experiência de vida e de trabalho.

3. O leigo: um cristão que “santifica o mundo a partir de dentro”

Certa força do hábito fez-nos um grande mal ao associar a santidade exclusivamente ao monaquismo e não à vida dos leigos, à vida pública. Esta separação não foi boa ao longo da história.

  1. Do facto de Deus ser Pai, decorre que todos nós somos irmãos e irmãs. Desta fraternidade universal brota o apelo à solidariedade, à caridade e à comunhão.
  2. Desde a Encarnação do Filho é evidente que toda a realidade temporal pode revelar o Mistério de Deus.
  3. Considerando a pessoa humana como o Templo do Espírito, segue-se que o ser humano é o cenário mais qualificado para o encontro com o sagrado. «Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que está em vós?» (1Cor 6,19), diz a Escritura.[2]
    «Teologicamente, a laicidade de toda a Igreja é entendida a partir do significado da relação Igreja-mundo e do sacerdócio comum, da profecia e da dimensão real; todo o batizado é membro da Igreja que deve servir o mundo, a fim de tornar presente a vontade salvífica de Deus e do seu Reino, embora todo o batizado exerça ou desenvolva a secularidade de uma forma particular, de modo que haja diversidade de ministérios e funções e, em certa medida, de “presença e situação” no mundo, na história e na sociedade».[3] E é da própria vida laical, que passa em muitos casos pela vocação específica da família e da profissão no mundo, que os leigos, e em particular os leigos cristãos, os leigos da família de Dom Bosco, são chamados a estabelecer, promover e sustentar valores evangélicos na sociedade e na história, contribuindo para a consecratio mundi, a consagração do mundo, o estabelecimento do Reino de Deus no aqui e agora.
    Em todo o caso, seria um grave erro fazer acreditar as pessoas que, quando se fala de laicidade (secularidade) como caraterística própria da Igreja, se está a referir apenas a uma parte dos membros da Igreja, ou seja, aos leigos, como se as vocações de consagração especial e aqueles que receberam a consagração do ministério ordenado não tivessem uma “dimensão secular”. O reconhecimento da sua dignidade (dos leigos) esclarece a sua função dentro da própria Igreja e, portanto, a sua necessidade para a Igreja. O Concílio vê a missão dos leigos em «administrar os assuntos temporais e ordená-los segundo Deus» e em «construir a santificação do mundo a partir de dentro». Os leigos são chamados «a fazer a Igreja presente e ativa naqueles lugares e circunstâncias onde somente através deles ela se pode tornar o sal da terra. Diante do mundo, é um reconhecimento pleno da necessidade da Igreja para os fiéis leigos. Neles, ela chega a lugares onde não poderia ir de outra forma».[4]
    Se nos dizem que alguém veio a nossa casa, vamos em busca dele. Esta é a atitude exigida do cristão que conhece a constante visitação do Espírito no fundo da sua alma. «Viver para Deus» significa ter a atitude de buscar tudo o que é rico em humanidade. Pois somente o que é totalmente humano é também divino. Viver para Deus significa ser fiel às descobertas, para encher o mundo de surpresas, da «surpresa de Deus». E trabalhar irradiando o desejo de restaurar a ordem temporal desordenada, porque assim a tornamos muitas vezes com as nossas ações humanas.

4. A família de Dom Bosco chamada a ser fermento

Um episódio da nossa história salesiana é particularmente esclarecedor: «Era dia 24 de junho de 1855, e no Oratório, foi uma dupla celebração: um grande céu ensolarado, para dizer o mínimo… Toda a cidade de Turim homenageava e celebrava o santo padroeiro da cidade, mas era também o onomástico de João Bosco. Todos tentaram manifestar-lhe o seu afeto e o sacerdote retribuía com o seu grande coração».

À noite de 23 de junho de 1855 dissera aos seus rapazes: «Amanhã quereis fazer-me uma festa, e eu agradeço-vos. Da minha parte, quero dar-vos o presente que mais desejardes. Por isso, cada um pegue num bilhete e escreva nele o presente que deseja. Não sou rico, mas se não me pedires o Palácio Real, farei de tudo para vos agradar».

Quando leu os bilhetes, Dom Bosco encontrou alguns pedidos sérios e outros estranhos. Alguns rapazes pediram «cem quilos de torrone para ter durante o ano inteiro», outros um cãozinho «no lugar do que deixei em casa». João Roda, amigo de Domingos Sávio, pediu-lhe «uma corneta como a dos soldados do exército, porque eu quero entrar na banda musical».

No entanto, no bilhete de Domingos Sávio, encontrou apenas cinco palavras: «Ajude-me a ser santo».

Dom Bosco chamou-o e disse-lhe: «Quando a tua mãe faz um bolo, usa uma receita que indica os vários ingredientes a misturar: o açúcar, a farinha, os ovos, o fermento… Também para ser santo é preciso uma receita, e eu quero dar-ta. Consiste em três ingredientes que devem ser misturados:

  • Primeiro: alegria. O que te perturba e tira a paz, não agrada ao Senhor. Deita-o fora.
  • Segundo: os teus deveres de estudo e de oração. Atenção na escola, esforço no estudo, rezar de boa vontade quando és convidado a fazê-lo.
  • Terceiro: fazer o bem aos outros. Ajuda os teus colegas quando eles precisarem, mesmo que isso te custe ou exija esforço. A receita da santidade está toda aqui.

Domingos pensou nisso. Os dois primeiros “ingredientes” parecia que já os tinha. Quanto a fazer o bem aos outros, pensou que poderia fazer, pensar, inventar alguma coisa mais. E a partir daquele dia, tentou fazê-lo».

Como a receita de bolo da mãe que inclui açúcar, farinha, ovos e fermento… A receita de santidade proposta por Dom Bosco aos seus rapazes, especialmente a Domingos Sávio (na noite de 24 de junho de 1855) contém: Alegria, cumprir o dever e fazer o bem. Um programa para ser por inteiro fermento no pequeno espaço onde Deus nos plantou.

Nascemos carismaticamente como comunidade e comunhão de pessoas de diferentes origens sociais, estados de vida, perfis profissionais… unidos pela mesma missão e motivados pela mesma carga carismática que Dom Bosco soube comunicar. Esta foi a natureza do Oratório nos anos da sua fundação; de 1841 a 1859, são 18 anos! O primeiro esboço das Constituições já refletia fortemente a sinergia do povo de Deus cooperando de várias maneiras para transformar em “bons cristãos e honestos cidadãos” os jovens em situação de maior risco. É inegável que nascemos logo como uma reunião do povo de Deus: é a natureza do nosso carisma e da nossa missão.

Creio estar muito consciente, e procuro transmitir esta consciência à nossa Família Salesiana, chamada a ser verdadeiro fermento no mundo de hoje, na família humana de hoje, a partir de um facto particularmente óbvio: somente juntos, somente em comunhão podemos fazer hoje algo de significativo. Fiz um forte apelo a toda a Congregação Salesiana sobre a nossa missão compartilhada com os leigos (um apelo que serve para toda a família de Dom Bosco) porque se não o ouvirmos seremos levados, num futuro não muito distante, a uma situação de perigoso não retorno. Declarei que o «nosso CG24 foi certamente uma resposta carismática à eclesiologia de comunhão do Concílio Vaticano II. Sabemos bem que Dom Bosco, desde o início de sua missão em Valdocco, envolveu muitos leigos, amigos e colaboradores para que eles participassem na sua missão entre os jovens. Desde o início ele suscita participação e corresponsabilidade de eclesiásticos, leigos, homens e mulheres».[5] Trata-se, então, apesar das nossas resistências, de um ponto de não retorno, pois, além de corresponder às ações de Dom Bosco, o modelo operativo da missão compartilhada com os leigos proposto pelo GC24 é de facto «o único praticável nas condições atuais».[6]

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O objetivo último da missão de Dom Bosco é, com a salvação dos seus jovens, a transformação da sociedade. Escrever sobre isto também me faz pensar no Lema de 2020 («Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu». BONS CRISTÃOS E HONESTOS CIDADÃOS). O Sistema Preventivo não tem em vista apenas educar indivíduos para os tornar «felizes no tempo e na eternidade»; deseja evitar que a «porção mais delicada e preciosa da sociedade humana» (Const. 1) entre num círculo vicioso de males que arruínam o presente e o futuro da Igreja e da sociedade, quando, ao contrário, pode ser o maior recurso de futuro e crescimento para todos. A visão tão ampla e corajosa de Dom Bosco, a sua operosidade incansável, a sua resiliência diante dos obstáculos… só se explicam com este horizonte de transformação social e de evangelização dos jovens em escala mundial.

Creio que este é um elemento valioso não só para admirar no nosso Pai, mas para valorizar o potencial de uma presença tão ampla e capilar no mundo juvenil que temos quando caminhamos JUNTOS, todos os que compartilhamos a mesma confiança nos jovens como solução, como resposta ao presente e ao futuro do mundo, e não vendo-os simplesmente (e quem sabe temendo-os) como problema…

Dom Bosco não se envolve em política, mas pode falar com todos os representantes dos vários níveis de governo porque o seu compromisso é nitidamente orientado para o bem dos jovens, dos quais não podem desinteressar-se os que têm no coração a sociedade humana e o serviço aos outros, incluindo o serviço público pelo bem de todos, a razão de ser da política. A nossa voz comum pode encontrar acolhimento e escuta muito além das fronteiras confessionais, se juntos encarnarmos hoje esse mesmo zelo pelo cuidado dos jovens que nos foi dado como carisma: e este modo de ser Igreja no mundo, nas periferias, está em grande sintonia com o atual magistério da Igreja (da Gaudium et Spes à Laudato Si’… e muitos outros documentos pertinentes). É um ser Igreja que não podemos realizar senão juntos como família de Dom Bosco.

A complementaridade das vocações na família de Dom Bosco.

É cada vez mais evidente que, se quisermos realmente ter um impacto efetivo na educação dos jovens, é importante e indispensável o empenho e a corresponsabilidade de todos e de cada um. Se não quisermos ser irrelevantes é uma exigência inevitável da missão vivermos JUNTOS como Família Salesiana, na missão e na formação, sempre ao lado de tantos leigos das nossas presenças no mundo. 

A comunhão no espírito de família e o vasto movimento salesiano.

Há campos onde estamos realmente todos no mesmo barco na necessidade de formação, como por exemplo, no que se refere ao mundo digital em relação às novas gerações ou a todo o inevitável vasto campo da ecologia integral. Todos nós temos algo a aprender; sendo um caminho comum enquanto a aprendizagem pode ser muito mais eficaz e aderente à realidade, as dinâmicas que se criam no processo de aprendizagem também transformam o modo de realizar juntos missão e formação. Este é o novo tipo de missão que nos faz ser o fermento que a Igreja, o mundo, os jovens esperam de nós… Ainda não o somos. A massa mudou… devemos ser de novo o que somos chamados a ser e só podemos fazê-lo juntos. Afinal de contas, foi a mesma dinâmica do início. Dom Bosco não tinha todas as competências e conhecimentos: formaram-se juntos. Sem leigos como Mãe Margarida e tantos outros colaboradores da época, e sem os seus rapazes, como Domingos Sávio, para citar o mais conhecido, nem Don Bosco nem nós depois dele seríamos os mesmos.

5. À sombra de uma grande árvore com belíssimos frutos

Na minha carta na conclusão do Segundo Seminário de promoção das Causas de Beatificação e Canonização da Família Salesiana, dizia eu: «Desde Dom Bosco até hoje reconhecemos uma tradição de santidade que merece atenção, porque é a encarnação do carisma que se originou com ele e se expressou numa pluralidade de estados de vida e de formas. Estamos a falar de homens e mulheres, jovens e adultos, consagrados e leigos, bispos e missionários que em diferentes contextos históricos, culturais e sociais no tempo e no espaço fizeram brilhar o carisma salesiano com uma luz singular, representando uma herança que desempenha um papel eficaz na vida e na comunidade dos crentes e para os homens de boa vontade».[7]

Com humildade e um profundo sentimento de gratidão, reconhecemos na Congregação e na Família Salesiana uma grande árvore com muitos frutos de santidade. Estes santos são jovens, leigos, mártires, pessoas que encheram as suas vidas com o fermento do amor, amor que se entrega até ao fim, fiel a Jesus Cristo e ao seu Evangelho.

  • Uma grande árvore com belos frutos de santidade como (entre outros): Zeferino Namuncurá e Laura Vicuña, Alberto Marvelli, Domingos Sávio, Alexandrina da Costa, Atílio Giordani, os jovens mártires de Poznań, o jovem Bashir do Paquistão e o indígena Simão Bororo, ou a benfeitora Doroteia Chopitea.
  • O que dizer sobre a bela figura de Mãe Margarida, como a santidade “ao pé da porta”, a santidade de uma mãe que moldou o coração de seu amado filho João e acompanhou o nascimento deste carisma, sem saber, de maneira simples, dando-lhe a vida, a vida que tinha e deixou para trás.
  • E não esqueçamos Artémides Zatti no ano da sua canonização. Ele era certamente um religioso consagrado, mas não esqueçamos a dimensão secular da sua santidade, isto é, o exercício da caridade na simplicidade de um pequeno hospital de uma pequena cidade. Ele é exemplo e modelo de consagração ao seu povo no seu trabalho quotidiano, tendo Deus como fonte, motivação na fé e objetivo de vida.
  • A vida deles, a vida de todos eles e o seu exemplo são como o “fermento na massa”.

6. Os nossos jovens como fermento no mundo de hoje

  • Toda a ação humana que produz algo de bom para a sociedade ou para os indivíduos está ligada à intervenção de Deus no mundo e implica uma colaboração amorosa com a missão. Especialmente no contexto salesiano, tudo o que se refere ao bem dos jovens e ao seu desenvolvimento integral traz consigo as sementes do Evangelho. Até um copo de água fresca dado em nome de Jesus. Daí a necessidade de insistir e promover a espiritualidade juvenil do Movimento Salesiano, que toca plenamente o apostolado e a experiência de fé em tudo o que se realiza no espírito de Dom Bosco, e que gera adesão, solidariedade, construção de comunhão e comunidade com os jovens protagonistas e destinatários da missão salesiana no mundo de hoje.
  • Este ser fermento no mundo de hoje está de novo e muito seriamente em sintonia com o Lema 2020, sobre o empenho na política e a formação que isso requer, alimentada pela tradição muito rica da doutrina social da Igreja. «A política é a mais elevada forma de caridade», afirmou Paulo VI. Infelizmente, em muitas partes do mundo, o que encontramos é apenas um grosseiro vácuo educativo… Ao falar dos leigos como fermento, certamente não se pode ignorar este elemento. Temos excelentes exemplos na nossa família (Alberto Marvelli) ou próximo dela (Giorgio La Pira, Julius Nyerere).

Concluo assegurando que, como Família Salesiana, queremos continuar a caminhar com os nossos jovens em todas as partes do mundo, sem esquecer que o fermento é o Evangelho vivo de Cristo. Ele á a nossa esperança e a mais bela juventude deste mundo! Tudo o que toca torna-se jovem, fica novo, enche-se de vida. Por isso as primeiras palavras, que quero dirigir a cada jovem cristão, são estas: Ele vive e deseja-te vivo!».[8]

O Papa Francisco, sempre muito sensível e atento à situação dos jovens e aberto à visão da colaboração da Família Humana na construção de uma sociedade mais humana e fraterna, convida-nos a «pensar e gerar um mundo aberto» e faz um forte apelo afirmando que, para encontrar a verdade e a felicidade da vida, a única via é a do amor ao próximo e estar ao serviço dos outros de modo aberto e generoso, porque «a partir da intimidade de cada coração, o amor cria vínculos e amplia a existência, quando arranca a pessoa de si mesma para o outro».[9]

Com grande esperança e confiança, convido toda a família de Dom Bosco e especialmente os leigos, homens e mulheres desta família, e muitos outros do vasto movimento salesiano a responder de forma criativa, colaborativa e concreta, da maneira que puderem, a esta humilde proposta do Lema de 2023 para ser verdadeiramente fermento semelhante ao do Evangelho a que se referia Jesus, nosso Senhor.

P. Ángel Fernández Artime, S.D.B.
Reitor-Mor


[1] FT, 8 e 11.

[2] CLARETIANOS, Ciudad Redonda, “Vivir para Dios: dimensión política de la Espiritualidad Laical” pdf

[3] BERZOSA, R., “¿Una teología y espiritualidad laical?” Revista Misión Abierta, (mercaba.org/fichas/laico).

[4] Nicolás Núñez, L.C., La vocación laical en la Iglesia. Una reflexión desde la perspectiva eclesiológica. Ecclesia, XXIX, n. 3-4, 2015 – p. 218.

[5] CG24, n. 71.

[6] CG24, n. 39.

[7] REITOR-MOR, Carta de conclusão do II Seminário de promoção das Causas de Beatificação e Canonização da Família Salesiana, Roma, abril de 2018.

[8] ChV, 1.

[9] FT, 88.

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